Na quarta-feira, 17 de abril, a Praia Paraíso, o mais meridional balneário de Torres, local cotado para receber a construção de um porto no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, faz jus ao nome: silêncio, quase nenhum veículo nas ruas de paralelepípedo e chão batido. O curto calçadão da Beira-Mar está vazio.
Na orla, um que outro veranista fora de época, decidido a antecipar o feriadão de Páscoa, caminha pela areia de frente a um mar com ressaca devido à chuva forte do dia anterior. A dona de casa Juliana Mattos, 30 anos, prepara o peixe do almoço e quase não percebe quando a reportagem de GaúchaZH entra na cozinha da residência, que funciona nos fundos de um mercado no centro do balneário.
— Podem entrar — avisa Juliana.
A hospitalidade de município do Interior e o clima de camaradagem entre os vizinhos são itens que fazem ela temer pela ideia do porto.
— Se vier, vou me embora daqui — chegou a dizer para a mãe, Jane Maria Matos, 51 anos.
É que a casa das duas está localizada a quatro quadras de uma das áreas mais cotadas para abrigar o futuro terminal portuário, um terreno de 138 hectares de propriedade privada que se estende da beira-mar até a Estrada do Mar (RS-389).
— O porto vai trazer poluição, todo tipo de pessoa, prostituição. Vai mudar a praia — alerta Juliana.
A ideia de se construir um terminal ali perto divide a família. Jane, a mãe, há 26 anos proprietária do mercadinho local, vislumbra consumidores no horizonte – não só no verão, quando a praia enche de veranistas.
— Eu quero o porto. Vai ter mais violência? Vai. Mas tem coisas boas. Vai trazer movimentação. Olha a nossa praia! É morta — aponta para os arredores, o vazio que permite escutar o som do famoso Nordestão.
Jane é saudosa dos tempos em que os turistas vinham para Torres e permaneciam até 90 dias de férias. Hoje, segundo ela, não ficam mais do que 15. E se vão.
— Se depender dos veranistas, estamos quebrados — considera.
Outro morador, Vinícius Sagrilo, 29 anos, ainda que desconfiado da viabilidade do projeto, faz planos.
— Se der certo, minha casa vai ser valorizada — sorri.
Prefeitos dialogam com idealizadores do projeto
Embora todos chamem o empreendimento de "Porto de Torres", a verdade é que o terreno apontado pelos moradores como o mais provável para a eventual obra fica no município vizinho de Arroio do Sal, na praia conhecida como Torres Sul. O limite com a cidade de Torres é a Avenida Farroupilha, onde termina o calçadão da Beira-Mar da Praia Paraíso. O prefeito de Arroio do Sal, Affonso Flávio Angst, o Bolão (MDB), admite que esta é uma das três áreas que o município está avaliando para viabilizar o projeto. Há diálogo com o proprietário de outro terreno, de 100 hectares, mapeado pela prefeitura e que fica próximo à Praia Azul.
— Não vai ter disputa, o que vai determinar o local é o estudo da Marinha e do investidor — afirma Angst, rejeitando rivalidade com a prefeitura vizinha para sediar o projeto.
O prefeito, entretanto, já iniciou contatos com os idealizadores do porto.
— A gente está à disposição. Quer o investimento em Arroio do Sal — diz.
Torres saiu na frente no debate político. O alinhamento é facilitado pelo fato de o prefeito Carlos Matos de Souza ser do mesmo partido do senador Luis Carlos Heinze, o PP.
A prefeitura até encomendou e possui um estudo preliminar, executado pela empresa Doha S. A. Participações e Investimento, que levantou os benefícios de se ter um terminal no município. Uma área de 500 hectares, próximo à Estrada dos Cunhas e do Condomínio OceanSide, foi apontada para a instalação do porto. Localizada 20 quilômetros ao sul da Praia da Guarita, é composta por campos, dunas e vegetação litorânea.
A gente está brigando para ter o porto porque todo o litoral vai ganhar.
CARLOS MATOS DE SOUZA
Prefeito de Torres
— Somos favoráveis porque Torres e a região precisam de um empurrão forte, não só trabalhando janeiro e fevereiro e passando o resto do ano correndo atrás da máquina. O turista não vem, o hotel fica ocioso. Temos de buscar outras formas de atrair investimentos. O porto teria a ideia de terminal turístico também — comenta o prefeito.
Segundo ele, navios de cruzeiro que saem de Florianópolis para Punta del Este, Montevidéu e Buenos Aires poderiam parar na região se houvesse o terminal. A iniciativa também poderia ajudar a movimentar o aeroporto local, em vias de fechar. Hoje, voos fretados operam ali.
Visita técnica a Santa Catarina
Um grupo integrado pelo prefeito Carlos Alberto Matos de Souza e empresários de Torres foi a Itapoá conhecer o projeto catarinense que é reconhecido como modelo de Terminal de Uso privado (TUP) no sul do Brasil. Entre os pontos positivos anotados por Matos está a contrapartida dos investidores.
— O porto de Itapoá ocupa 30 hectares com expansão até 50 hectares. Indenizou um parque nacional com 1 milhão de hectares. Temos aqui o Parque da Guarita, que precisamos investir R$ 500 mil a R$ 1 milhão — entusiasma-se.
Entretanto, ele pondera que “tudo tem de ser avaliado”:
— A gente está brigando para ter o porto porque todo o litoral vai ganhar.
Temos um histórico de cultura do veranista fortíssima, um ambiente de calmaria e tranquilidade, de não poluição. Vamos quebrar essa situação e radicalizar em termos de desenvolvimento?
ERACLÍDES MAGGI
Presidente da Associação das Construtoras e Incorporadoras de Torres (Actor)
Algumas audiências públicas já foram realizadas no município. A próxima reunião está prevista para maio. Uma das questões observadas pelos visitantes é que, no caso do terminal de Itapoá, localizado a 16 quilômetros da sede do município do norte catarinense, foram feitas modificações no plano diretor ao longo do projeto para afastar impactos na comunidade. Torres, no caso de investir no porto, deseja se precaver de alguns percalços.
— Não queremos que caminhões passem dentro da cidade — garante o prefeito da cidade litorânea.
Durante uma das audiências públicas, o presidente da Associação das Construtoras e Incorporadoras de Torres (Actor), Eraclídes Maggi, se posicionou contrário à iniciativa, prevendo que o porto pode prejudicar o turismo no litoral.
— Alguém aqui gostaria de trocar Torres por Rio Grande? — questionou Maggi, diante de um auditório com aproximadamente 250 pessoas.
Convidado a visitar Itapoá, o líder empresarial se disse surpreso com as estruturas do terminal, com capacidade para receber três navios ao mesmo tempo. Entretanto, ficou preocupado ao observar depósitos de contêineres próximos ao acesso ao terminal e estacionamento de caminhões pesados.
— Um aspecto visual bastante ruim. Temos um histórico de cultura do veranista fortíssima, de turismo, um ambiente de calmaria e tranquilidade, de não poluição. Vamos quebrar essa situação e radicalizar em termos de desenvolvimento? — questiona o presidente da Actor.
Enquanto isso, o prefeito Matos aproveita para ressaltar:
– Serei o primeiro a dizer que se um porto vem para Torres e vai tirar nossa beleza natural, só pelo desenvolvimento econômico não se justifica.
O prefeito de Arroio do Sal não foi convidado para ir a Itapoá.