A cerca de 700 quilômetros de Bodrum, a praia que povoou os pesadelos da humanidade nesta semana - onde foi encontrado o corpo do menino Aylan Kurdi, de três anos -, ministros de Finanças dos 19 países mais ricos do mundo e os da União Europeia discutem, neste final de semana, "crescimento inclusivo".
É na Turquia, de onde saiu a família de Aylan, que se realiza o encontro ministerial do G-20, preparatório à reunião de cúpula, que reunirá chefes de governo, também no país, em 15 e 16 de novembro. A reunião se realiza em Ancara, a capital turca, não em Kobane, quase na fronteira da Síria, onde na sexta-feira foram sepultados Aylan, seu irmão Galip e a mãe deles, Rehana.
Menino sírio afogado, irmão e mãe são enterrados
Mais do que um sincronismo, a convergência geográfica deveria virar de cabeça para baixo a pauta do encontro. Os ministros foram à Turquia para um compromisso periódico que, por acaso, havia crescido em importância frente à instabilidade provocada pela China. Mas então sobreveio um dos mais aterradores resumos visuais da situação de milhares de refugiados de guerras e imigrantes que faziam, em direção à Europa, o mesmo movimento que milhares de europeus haviam feito, há quase dois séculos, para fora do continente. E pelos mesmos motivos. Muitos de nós, no Brasil de hoje, somos parte da história daqueles imigrantes.
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Um levantamento do jornal britânico Financial Times aponta o número de pedidos de asilo pendentes na Europa. Do total de 568 mil, o maior número está exatamente no país mais rico do continente, a Alemanha, com 306 mil. A maior proporção sobre a população aguarda liberação na Suécia, com 5,7 pedidos por mil habitantes. E, mais contraditório ainda, a terceira maior proporção entre pedidos e população ocorre na "falida" Grécia, com 2,7 pedidos por mil.
Sim, há multidões em marcha, mas quando se examina a proporção, a sensação de opressão econômica e social diminui. Falar em "crescimento inclusivo" nesse momento em que massas humanas fogem das guerras, da fome e da falta de perspectiva será, mais do que inócuo, cruel. A menos que se construa, na Turquia, ao menos uma tentativa honesta de refletir sobre o problema e construir pontes, não haverá "crescimento inclusivo" em qualquer latitude.