Diz-se que as grandes catástrofes nunca podem ser atribuídas a uma só causa. A confluência de vários problemas desata o desastre. Parece ser para onde caminha o abastecimento de água e de energia no país. Falta de planejamento, atrasos em obras, escassez de chuva, excesso de calor e consumo sem consciência se combinaram de forma perversa para ameaçar os brasileiros com um quadro assustador: ter de fechar a torneira e desligar os interruptores. O governo, pela voz da ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, pediu moderação no consumo, na sexta-feira. Há quem defenda uma campanha maciça pelo consumo racional.
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E aí surge um obstáculo às boas intenções. Representantes do setor elétrico não querem nem ouvir falar em racionalização no consumo. Esse poderia ser um passo antes do corte compulsório, como ocorreu em 2001 e 2002 na maior parte do país - a Região Sul só escapou porque não tinha como transferir energia para as demais, o que não ocorre agora. Mas para as empresas, a racionalização seria o pior dos mundos porque ainda precisariam garantir oferta, pagando preço de mercado pela energia, muito acima do normal, e correriam o risco de redução na receita, caso os brasileiros realmente abraçassem a ideia.
Como se sabe, as distribuidoras de energia estão com rombos gigantescos em decorrência da elevação do preço da energia elétrica provocada pela seca que exigiu a entrada da geração térmica nos orçamentos de todas. Mas também as empresas têm sua parcela de responsabilidade. Parte do desequilíbrio ocorreu porque muitas não haviam contratado toda a energia de que precisavam para abastecer seus clientes.
É por isso que há muita pressão - e uma queda de braço entre os vários agentes do segmento - em torno do racionamento. Além do desgaste que representa para uma presidente que assinou e carimbou o atual modelo do setor elétrico, envolve interesses econômicos, financeiros e políticos. De julho de 2001 a setembro de 2002, boa parte do Brasil foi obrigada a cortar 20% do consumo de energia. Desde então, "racionamento" - a redução compulsória - virou sinônimo de "apagão" - desligamento involuntário provocado por problema técnico ou climático. Agora, ainda temos de conviver com o "corte seletivo", para garantir que o sistema não entre em colapso. E justo no verão que testa recordes históricos de altas temperaturas.