A seca que dizimou lavouras e impôs caos no campo já começa a causar reflexos nas cidades que dependem da agricultura. Com os ganhos reduzidos, produtores encontram dificuldades para pagar contas.
Em Palmeira das Missões, no Noroeste, de janeiro a março a inadimplência subiu 40% no setor de venda de produtos agropecuários. A situação preocupa o comércio em geral e alguns empresários já cogitam demissões.
Segundo a Federação das Câmaras de Dirigentes Lojistas do Rio Grande do Sul (FCDL), o problema não é generalizado. Está concentrado em algumas cidades das regiões norte e noroeste do Estado, altamente dependentes da agricultura e que mais sofreram com a falta de chuva.
As câmaras locais confirmam. Em Palmeira das Missões, a CDL registra nos meses de janeiro, fevereiro e abril um aumento de 20% na inadimplência. O número é ainda maior quando analisado o setor voltado ao agronegócio - venda de sementes, insumos e maquinários -, cujo índice bate na casa dos 40%. O problema é atribuído, exclusivamente, às quebras nas lavouras.
Segundo o Sindicato Rural do município, os prejuízos com a seca ultrapassam os R$ 120 milhões, somente na soja, principal planta cultivada, onde a quebra foi de 50%.
- Pelo menos até o início de junho a situação deve se manter. A partir daí, os bancos passam a liberar o dinheiro de seguros e, eventualmente, realizam alguma negociação com os produtores. Com o dinheiro na mão, a grande maioria começa a quitar suas dívidas - explica Walter Nickhorn, presidente da CDL de Palmeira das Missões.
Em Santo Ângelo, um produtor rural de 51 anos, que prefere não se identificar por se sentir constrangido, tem uma dívida de R$ 23 mil, ocasionada pelas perdas em função da seca. Na propriedade de 50 hectares dedicada à produção de soja e leite, sementes e insumos representam R$ 11 mil, que deveriam ter sido pagos em 25 de abril. Além disso, até o final do mês ele terá de desembolsar R$ 12 mil referentes ao custeio pecuário.
- A minha expectativa era fazer o pagamento com o que ganhasse com a soja e com o leite, mas a soja não deu nada e a produção de leite teve uma queda de 40% com a diminuição da pastagem. Estou preocupado - desabafa.
Também em Santo Ângelo, Luiz Carlos Dallepiane, 59 anos, dono de uma ótica, enfrenta sua pior crise em 34 anos de atividade.
- O mais preocupante é que nos próximos meses a situação só tende a se agravar. Estou contendo despesas para tentar amenizar prejuízos. Já sei também de outros colegas que estão cogitando diminuir o número de funcionários- conta o empresário, que também é presidente do Sindilojas Missões.
Ele acrescenta ainda que um levantamento da entidade apontou que, de março a abril, a inadimplência no município subiu entre 10 e 12%.
Setor de bancos e máquinas agrícolas sofre menos
Igualmente dependente das safras de soja e milho, o setor de máquinas agrícolas pisou no freio ao perceber a gravidade da seca. Presidente do Sindicato das Indústrias de Máquinas e Implementos Agrícolas no Rio Grande do Sul (Simers), Claudio Bier não julga a seca como principal culpada para as recentes demissões no setor (em um ano, pelo menos 429 trabalhadores perderam o emprego).
- As empresas que planejavam ampliar a produção este ano, perceberam o tamanho da seca e diminuíram o ritmo. Mas o vilão principal foram as barreiras impostas pela Argentina, principal comprador dos nossos produtos _ afirma Bier.
O presidente da Associação e Sindicato dos Bancos do Rio Grande do Sul e Santa Catarina (Asbancos), Túlio Zamin, explica que a entidade não possui um mapeamento que indique grande inadimplência no setor.
- Se pegarmos o caso do Banrisul (Zamin também preside o banco), temos uma operação muito pulverizada em diversas regiões e grande parte de nossos clientes possui seguro agrícola, o que de certa forma garante o pagamento das dívidas - afirma.
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