Em quase 46 anos de carreira e 50 de vida, comemorados no próximo dia 30 de novembro, Angélica já foi considerada “a criança mais bonita do Brasil” por um concurso do Chacrinha, foi artista mirim e apresentadora de programas de auditório para crianças e adultos, ensinou o país inteiro a cantar que vai “de táxi”, viveu o lado bom e o ônus da fama, se apaixonou diversas vezes e se casou uma, carregando na barriga o primeiro de três filhos. Agora, a loira pede passagem para contar em primeira pessoa a sua história.
– Angélica de 50 é uma mulher muito grata por tudo que aconteceu. Hoje me sinto mais forte para cuidar da minha família, viver e falar de assuntos relevantes. Tenho certeza de que fui entretenimento para muita gente, mas agora eu quero algo mais. Meu propósito é deixar mensagens positivas e informações sobre coisas que acredito – afirma.
Temas que marcam a sua vida como trabalho, maternidade, bem-estar emocional e espiritualidade aparecem no projeto Angélica: 50 e Tanto, série que estreia neste domingo em um quadro no Fantástico e também no Globoplay, onde os cinco episódios estarão disponíveis na íntegra. Além destes canais, a produção também será exibida semanalmente no GNT, a partir do dia 30 de novembro, às 22h15min.
Segundo o criador e diretor de conteúdo do projeto, Chico Felitti, a trajetória da apresentadora ganha ainda mais força junto do relato de convidadas, como Sandy e Xuxa.
– Angélica teve essa vontade de trazer para o público passagens da sua história que até então a gente não conhecia. Coisas extraordinárias mesmo, como quando ela ia disfarçada para boates no Rio e dançava a noite inteira até ir virada para a TV. Como foi surreal ser uma artista mirim nos anos 1970 e 1980, como quando uma revista de circulação nacional publicou fotos dela nua aos nove anos de idade, sem permissão da família. É algo impensável hoje em dia. Mas que aconteceu – detalha Felitti.
Em uma conversa por vídeo com Donna, a paulista de Santo André relembrou alguns capítulos marcantes da carreira precoce, como a inesquecível canção que fez dela febre nacional aos 15 anos, a versão brasileira da música Joe le Taxi, da francesa Vanessa Paradis:
– Nunca pensei que iria cantar uma música que viraria um hino. Todo mundo conhecia Vou de Táxi. Fazia shows para 200 mil pessoas.
A consolidação como apresentadora de TV, segundo Angélica, veio com o programa Milk Shake (1988), atração musical da Rede Manchete e o primeiro direcionado ao público adulto da sua carreira. Já no SBT, em 1992, a artista diz que deu início à fase de mais trabalho da vida:
– Eu apresentava três programas, um infantil de quatro horas de duração, um no horário do almoço e o Passa ou Repassa no final de tarde, e ainda fazendo shows pelo Brasil. E aí fui para a Globo e criei uma história de 23 anos nesta casa.
Hoje, Angélica se dedica também ao Mina, portal de notícias sobre bem-estar e autocuidado. Para ela, o indispensável agora é ter tempo para curtir o frescor das novas empreitadas, ao mesmo tempo em que ampara os filhos Joaquim, de 18 anos, Benício, 16, e Eva, 11, e cuida do “encontro de almas” que teve com o marido Luciano Huck há quase 20 anos.
Por que fazer a série documental Angélica: 50 e Tanto?
Parte do desejo de celebrar um tempo, de ser grata por tudo que foi conquistado e para ser a dona da narrativa da minha vida. Vejo que as pessoas têm muito afeto comigo. Também é uma oportunidade para elas relembrarem momentos que vivi, ao mesmo tempo, lembrarem da vida delas. Casa com o momento de colocar a mulher e as suas histórias em pauta, e é por isso que os episódios têm convidadas.
Como uma pessoa que é admirada por sua beleza encara o passar dos anos e as mudanças naturais?
É uma pressão que faz parte da minha vida, o que tenho que fazer é administrar isso da forma mais saudável possível. Passei a juventude em frente às câmeras, sendo cobrada publicamente, e em diversos momentos, quando não tinha tanta segurança, essa cobrança provocou sequelas físicas, eu comia os dedos, por exemplo. Mas sempre fiz análise e discutia o assunto. Hoje estou muito feliz com o que vejo, mas acho que, se eu não fosse uma pessoa pública, seria mais “largadona”.
Você revelou que já foi vítima de abuso sexual na infância, nos bastidores da TV, e na adolescência, enquanto promovia Vou de Táxi. Por que optou trazer isso à tona?
É importante falar porque você começa a se curar daquilo. E por uma questão de saúde pública, é sobre ter uma referência, ver que é algo que pode acontecer com todas. E quando você é uma pessoa pública e fala sobre esse assunto, traz a voz de todas as outras mulheres junto. Não dá mais para achar que cada um cuida do seu problema. Temos que estar atentas umas às outras e “meter a colher”, porque, às vezes, a pessoa não tem força psicológica e física para tomar uma atitude, e você tem que estar ali com a mão estendida para a vítima pegar se quiser.
Os abusos são dores que se curam?
São marcas que ficam, mas aí criamos ferramentas e formas de conviver com elas. Não acho que é algo que a gente cura, isso fica no nosso DNA. Essas violências são sérias, porque mexem com a vida da pessoa para sempre. Mas a vida é isso. Quando a gente sai de uma situação limite ou está num estado de vulnerabilidade extrema e dá a volta por cima, a gente se fortalece.
Você chegou a virar boneca. Ser idolatrada não te tornou pouco humilde?
Quando fomos ver o acervo documental para colocar no Angélica: 50 e Tanto, vi que tinha tanta coisa de que eu nem lembrava, produtos que nem sabia que tinha sido lançado. Eu era tão sobrecarregada que nem curti tanto algumas partes do sucesso. Aquilo era trabalho, então ao lançar uma boneca, queria que todos a conhecessem e que ela vendesse, mas não estava achando nada glamouroso, não dava tempo.
O que a maternidade lhe ensinou?
Parece clichê, mas é real, a maternidade me ensina todos os dias. Sempre fui muito cuidada e quando meus filhos nasceram isso se inverteu completamente. Não era mais alguém cuidando de mim, e sim eu deles. Aí descobri minha verdadeira vocação: ser mãe. Adoro não ter esse egoísmo, porque quando a gente vira mãe tem momentos em que viramos um pano de chão (risos). Não tive uma infância e uma adolescência convencionais, mas meus filhos sim, então pude vivenciar isso através deles.
A fase dos 50 anos é a melhor. Sou mais dona da minha mente, tenho liberdade de escolha, sabedoria e maturidade .
ANGÉLICA
Apresentadora
Como ser mãe de uma menina modificou você como mulher?
Eva abriu muito os meus olhos. Através dela comecei a ver o que eu mesma tinha vivido, inclusive a história do abuso, por medo de que ela vivesse coisa parecida. Você começa a querer asfaltar o caminho. Aquela menina me deu uma visão mais ampla do que é ser mulher, me ensinou a ser feminista e a olhar para minhas semelhantes de forma amorosa.
Os 50 anos para muitas mulheres marcam uma virada na vida. Como está sendo para você?
Começou nos 40 anos. Foi uma fase em que veio a menopausa e um monte de questionamentos profissionais. Você passa por um período vulnerável e angustiante, mas vai nadando e, quando chega aos 50, já sabe o que quer. É um recomeço, um momento totalmente novo e estou aberta. Desejo que venham novidades e coisas lindas.
Você está menos ansiosa hoje?
Ansiedade não leva a gente a lugar nenhum, só faz atropelar tudo. Dos 26 aos 30 foi a época em que me senti mais linda, mais livre e cheia de ideias. A fase dos 50 anos é a melhor. É onde sou mais dona da minha mente, tenho liberdade de escolha, sabedoria e maturidade para lidar com as adversidades.
Sua vida pessoal sempre foi muito exposta, especialmente no início da carreira. Como lidar?
Naquela época tinha muito paparazzi, eu terminava um namoro e já tinha três fotógrafos na porta da minha casa para ver quem ia entrar. Isso sempre fez parte, era o ônus, mas não sofri muito com isso. Me diverti, até. Saía de carro usando peruca, eles ficavam achando que era outra pessoa. Hoje acho até mais agressivo porque há muito julgamento nas redes sociais e muitas fake news.
Em que momento você decidiu diminuir o ritmo na carreira?
Não fui eu que pensei, foi o meu corpo e a minha cabeça que me pararam. Tive vários episódios de pânico, momentos em que meu corpo não queria mais participar daquilo que estava acontecendo. É claro que começar a carreira tão cedo teria uma cobrança lá na frente, e para mim teve. O privilégio de poder escolher saborear os momentos é uma coisa que a maturidade e as porradas trazem.
Você tem um lado mais holístico?
Medito há uns sete anos e comecei por necessidade. Também faço ioga, trabalhos de respiração e retiros, quando dá. Sempre fui meio “bruxinha”, aos 17 já ia numa pessoa que colocava cristais, fazia banhos. Acredito nas energias da vida e tenho as minhas “mandinguinhas”. Sou católica e tenho uma espiritualidade muito forte, acredito que Deus está dentro de cada um de nós, e fazemos ele se manifestar com a fé que a gente quiser.
O que você está desejando fazer agora, em termos de carreira e de vida pessoal?
Quero continuar tendo tempo para mim, meus estudos e para o meu amadurecimento. Também ter tempo para minha família. Meus filhos estão na fase da adolescência e é importante estar presente. Mas é claro que sou um bichinho da televisão, então tudo que tiver a ver com o que estou vivendo, vou querer usar junto do meu talento para comunicar. Mas sempre trabalhando por projetos, porque assim você faz durante alguns meses e termina.
Você e Luciano estão casados desde 2004. O que tem de melhor nessas duas décadas juntos?
Foi esse encontro. Começamos a namorar e quatro meses depois eu estava grávida e aí casamos. A gente nem se conhecia direito, poderia ter dado muito errado. Só que parece que a gente sempre se conheceu, e para mim tem algo mágico nisso. Sempre tivemos uma sensação de que somos uma coisa só. Foi um encontro de almas que era para ser. A gente respeita e cuida muito desse encontro porque essas coisas especiais a gente não desperdiça.