Duas gaúchas encontraram um jeito de seguir viajando pelo mundo com muita segurança em plena pandemia. E fizeram isso sem sair de casa: Isabel Bohrer e Lourdes Kauffmann mergulharam em suas memórias de viagens por dezenas de países, reuniram relatos e fotografias e decidiram compartilhar tudo isso em livro. Em Onde Está Isabel?, a socióloga de 89 anos resgata suas lembranças em diferentes destinos desde 1950. Já em 69 na Alemanha, a professora Lourdes abusa do bom humor para detalhar sua saga por 34 cidades alemãs quando estava prestes a completar 70 anos. Coincidentemente, as obras assinadas pelas duas chegaram às livrarias há poucos dias. E as semelhanças vão além: tanto Isabel quanto Lourdes se desafiaram a desbravar o mundo sozinhas, sem medo, abrindo caminho para tantas outras que hoje sonham em descobrir novos lugares com ou sem companhia.
— Com uns 45 anos comecei a viajar mais sozinha. Nenhuma mulher fazia isso naquela época. No Irã, fiz um enxoval de roupas para poder circular como as locais e fui ao cinema. Me diz quem você conhece que vai ao cinema sozinha no Irã? — relembra Isabel.
Desbravando outras culturas
O apartamento da socióloga, no bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, serve de abrigo para todas as lembranças dessas décadas com o pé na estrada. Em uma espécie de estúdio, ela reúne armários abarrotados com itens de viagem, catálogos de shows, centenas de vídeos, milhares de fotos e um painel com imagens captadas ao longo de seus percursos. A cada destino, desde os 18 anos, Isabel escrevia resumos de seus passos e montava relatos detalhados com suas impressões – e são essas memórias que você encontrará no livro. De navio, em 1950, ela rumou para a Europa e tomou gosto por conhecer outras culturas. O casamento e nascimento dos três filhos adiaram brevemente os planos de desbravar cada canto do globo, mas bastou as crianças crescerem um pouco para que ela retomasse as viagens – com total apoio do marido, que não compartilhava do mesmo espírito aventureiro.
Adoro viajar sozinha, é libertador. Nunca foi um tabu para mim. Queria ter contato com um mundo diferente do meu, isso me fazia bem
ISABEL BOHRER
Socióloga e viajante
— Adoro viajar sozinha, é libertador. Nunca foi um tabu para mim. Queria ter contato com um mundo diferente do meu, isso me fazia bem — conta Isabel.
Entre os destinos inesquecíveis, aqueles que fugiam do óbvio encantaram a socióloga. Ela se aventurou, por exemplo, por Japão, Iêmen, Vietnã, Paquistão e Síria. E, para garantir a sua segurança, muitas vezes optava por fazer alguns passeios específicos com grupos americanos ou europeus. Na Rússia, por exemplo, recorda com carinho do povo local, assim como no Irã.
— Saía caminhando, queria conhecer as pessoas, ver o povo. Quando pisei em muitos desses lugares, ninguém ia. Eram países muito restritos. No Vietnã, mal tinha hotéis, na China, não podia dar um passo sozinha. Aprendi que governo é uma coisa, o povo é outra. Ia aberta a quebrar preconceitos — explica.
Na África, continente que conhece quase por completo, ela revela a saudade de dormir em cabanas e acordar com uma tromba de elefante perto de seu rosto. Na China, recorda em meio a gargalhadas quando um cozinheiro de um hotel em Kashgar fez as vezes de cabeleireiro e pintou seu cabelo no meio da viagem.
Isabel também teve seu hotel invadido por guerrilheiros no Zimbábue, fez amizade com o chefe do grupo e conversou por horas com ele. No Paquistão, encarou uma tempestade de neve terrível.
— O mundo que eu vi de perto, hoje, não existe mais. É tudo mais globalizado, até as cidades pequenas não são mais o que eram. Antes, numa época sem internet, desbravar tinha outro sentido. E esse desafio me alimentava, sabe? — reflete Isabel, que já se considera uma “viajante aposentada”. — Depois dos 80, ficou mais difícil. Acho que não vou mais sair por aí, mas tenho vontade de lançar mais livros de viagem. Tomara que dê tempo (risos).
Viagem às origens
Lourdes, autora de 69 na Alemanha, também tem boas histórias para contar de uma viagem realizada em 2015. Depois dos 40 anos, ela se desafiou a conhecer o mundo: passou por boa parte dos Estados Unidos, vários países na América do Sul e também circulou pela Europa. Mas resolveu transformar em livro apenas sua experiência na Alemanha – a jornada foi um convite para se reencontrar com suas origens germânicas.
— Sempre fui ousada, a vida toda. Lembro que meus filhos me questionavam se eu não achava perigoso ir sozinha. Dizia: “Não estou pedindo licença, estou indo. Só estou avisando”. Dirijo desde cedo, sempre fui independente, segura. Fiquei dois anos planejando o roteiro para a Alemanha, meu avô veio de lá — explica Lourdes, que é professora, atriz e escritora.
O livro parte do roteiro pelas cidades alemãs, porém, há um quê de ficção: Lourdes abusa da criatividade em relatos bem-humorados sobre suas aventuras por lá. Ela recorda que “passou um perrengue” em Munique, quando se sentiu mal e não conseguia sair do quarto. Também conta sobre sua aventura em pequenas cidades, como Hopferau, e seus devaneios ao deparar com o Mar Báltico.
— O título aguça ainda mais a curiosidade das pessoas, que levam para um lado meio erótico. Tem gente me perguntando o que fiz na Alemanha. Ué, leiam o livro e descubram (risos). Tem ficção, tem romance, tem tudo. Tem uma pegada do humor. Quem lê e me conhece, dá para me enxergar ali — afirma.
Assim que a pandemia der uma trégua, Lourdes planeja embarcar para o norte da África. Egito e Marrocos estão no destino da professora, que deixa o seguinte recado:
— Meus relatos são um incentivo às mulheres mais velhas de que é possível concretizarem seus sonhos. Não podemos ter medo de ousar na maturidade. Ainda há muita coisa para viver — reflete.
Turismo com segurança
Foi justamente na maturidade que Ivane Fávero, 51 anos, colocou o pé na estrada junto do marido, Rômulo Freitas, 69. A turismóloga, que mora em Garibaldi, sempre trabalhou com turismo, embora não tivesse tanto tempo para curtir viagens longas e sem pressa. Há cinco anos, decidiu que era hora de organizar a agenda para aproveitar o mundo e criou o blog Viajante Maduro e um perfil no Instagram (@viajantemaduro).
Com a pandemia, ela e o marido ficaram mais de nove meses sem sair de casa, até que voltaram a viajar pelo Estado — ela conversou com Donna enquanto regressava de São Francisco de Paula. Em janeiro, se desafiaram a fazer uma viagem de 50 dias de carro pelo Brasil. Foram até o Mato Grosso, ela conta:
— Aos poucos, começamos a sair buscando segurança. Indo num restaurante a céu aberto, pousadas isoladas. Vimos que, seguindo os protocolos, era possível. Optamos por turismo de natureza agora.
Ivane acredita que muitas pessoas estão “redescobrindo” as belezas do Estado. Da Campanha à Costa Doce, do Vale Germânico à serra gaúcha. Em seu perfil, a turismóloga revela onde é possível tomar um café isolada em meio a belas paisagens.
— Agora, as experiências que valorizam o meio ambiente são a melhor opção. Um turismo sustentável e seguro — define Ivane.
Para ler
Onde Está Isabel?
Editora Libretos, 240 páginas, 2021, R$ 120. Apresentação de Cláudia Laitano, ensaio fotográfico de Marco Nedeff, design gráfico de Clô Barcellos e coordenação de acervo de Adriana Morandi. À venda em libretos.com.br, pelos telefones (51) 99355-4456 / 99388-0224 ou ainda na PocketStore (Rua Félix da Cunha, 1167, Moinhos de Vento). Toda a renda será revertida para a Casa de Apoio Madre Ana, da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre.
69 na Alemanha
Editora Martins Livreiro, 2021, 218 páginas, R$ 69. À venda pelo WhatsApp (51) 99109-3573