A agente comunitária Isabel Silveira, 33 anos, decidiu reservar um tempo para si pelo menos uma vez por ano. Mãe de Arthur, 11, diagnosticado com autismo, e de Ana Júlia, 13, ela e o marido sempre planejam um período para viajarem sozinhos. A vontade do casal de fugir da rotina já foi alvo de críticas, lembra Isabel:
– Uma vez por ano é só para nós, programadinho. Percebo que as pessoas me julgam. Já fazemos isso há um tempo, mas sempre vem a pergunta: “Por que tu não leva teus filhos? Tem coragem de deixar o Arthur?”. No trabalho, na família, isso sempre aparece, as pessoas torcem o nariz. Mas é sete dias em 12 meses, é superpouco. Me esforço para não deixar de ser mulher. Não vou no salão toda semana, mas temos que nos empoderar, focar em outros momentos, sair para jantar com os amigos da gente.
A psicóloga Silvia reforça a importância desse tempo das mães recarregarem as energias para encarar a rotina intensa. É o momento de se fortalecer para poder se doar depois, avalia:
– Elas precisam aprender a sair de cena, fazer afastamentos possíveis que permitam que seus filhos sintam-se inteiros mesmo na ausência delas. É preciso delegar cuidados para outros: pais, parentes, familiares. Pois as crianças precisam estabelecer outros vínculos, e isso permitirá que se evite a superproteção. Mais: dará a estas mães a possibilidade de seguirem exercendo seus outros papéis na vida, de esposa, profissional, amiga. Retornando, assim, renovadas para o convívio com seus filhos.
Leia mais:
:: Mãe fala da experiência de educar o filho que perdeu a visão: "Não quero que ele se sinta incapaz"
Isabel se esforça para equilibrar a rotina desde que Arthur apresentou os primeiros sinais do autismo, quando tinha um ano. A dificuldade de falar e de responder ao chamado das pessoas se tornou um ponto de atenção para a mãe, que primeiro suspeitou de problemas auditivos.
A possibilidade foi descartada, e uma sequência de médicos entrou na vida da família: pediatra, neurologista, psiquiatra, psicólogos, tudo para chegar a um laudo. Aos quatro anos, o menino foi identificado como uma criança autista, um transtorno do desenvolvimento neurológico. Não há causa específica, apesar de os médicos destacarem o papel dos fatores genéticos.
– Ele vive no mundo dele, mas não chega a ter o quadro severo de autismo. O Arthur tem noção do que acontece ao redor, sabe que é noite. Até hoje, ele não fala, não se relaciona com as pessoas. Mas entende tudo o que eu falo – explica a mãe.
A agente comunitária é separada do pai de seus filhos, e o diagnóstico do menino veio depois do divórcio. No início, a família entrou em choque. Isabel chorou muito, mas logo focou na parte prática. Ela não conhecia crianças com autismo e sabia quase nada sobre a doença. Passou a integrar grupos, frequentar palestras, pesquisar mais sobre o assunto.
A ideia era se preparar para uma maternidade diferente da experiência com a filha Ana Júlia. Aos 11 anos, Arthur não fala, usa fraldas para dormir e não consegue se relacionar além do núcleo familiar. Sua rotina inclui a escola especial e as terapias. E tudo tem que ser cronometrado: se a mãe se atrasa para buscá-lo na escola, ele fica ansioso e pode entrar em crise. Nunca foi agressivo, mas chora e esperneia como uma criança pequena. A cena pode ser confundida com birra, o que provoca situações complicadas, como lembra Isabel:
– O Arthur estava em um brinquedo de shopping e não queria sair. Daí passou uma mulher questionando por que eu não era mais dura com ele. Depois, ele teve uma crise, fez um show. Não queria ir embora do lugar. Daí parou uma mulher e falou: “Ah, igual ao meu neto. Eles não se comportam”. Daí eu disse: “O seu neto é autista também? Meu filho está em crise, não entendeu que acabou. Tenho que explicar várias vezes até ele entender. Não é birra”. A moça me pediu desculpas.
Um desafio é Arthur participar de eventos comuns, como aniversários. A mãe confessa que evita as festas fora da escola, porque o excesso de estímulos pode desencadear problemas. Além do preconceito.
– Quando eu o levo nesses locais, posso ficar três horas ou 10 minutos, nunca sei. Têm coisas a que não exponho o Arthur mesmo que critiquem. As amigas da minha filha não discriminam o Arthur, por exemplo, mas têm crianças que se afastam. Às vezes, não é falar alguma coisa, é só se afastar – comenta, emocionada.
Essa maternidade atípica exige da mãe uma adaptação constante, cheia de dúvidas, pequenas derrotas e grandes vitórias.
– O maior desafio para as mães é a adaptação a essa nova vida, que é diferente, mas pode ser legal, bonita e boa – diz a psiquiatra Luciana Bridi.
Para Isabel, é uma maternidade que exige escolhas difíceis todos os dias. Ela parou de trabalhar por um período, mas decidiu retomar a vida profissional após passar em um concurso público. Abriu mão de muitos encontros com amigas para cuidar do filho, já que não é tão fácil assim achar alguém para ser babá de uma criança com deficiência. Viu pessoas próximas se afastarem com medo de lidar com a situação, mas também experimentou a ajuda de uma rede de apoio com mães que compartilham as mesmas lutas. Precisar de ajuda não é sinônimo de fraqueza. Entender isso mudou a perspectiva de Isabel:
– Muitos amigos ficam meio sem saber como agir, o que dizer. Tento não deixar o resto de lado, mas ser mãe do Arthur toma a lista de prioridades da minha vida, sei disso. Me dei conta de que sozinha estava difícil, busquei ajuda de psicólogos e psiquiatras para me fortalecer. A troca com as outras mães é essencial. Não estamos sozinhas.