Já parei de contar as vezes em que algum desconhecido, quase sempre um homem, mandou um link ou cobrou posicionamento por alguma coisa que aconteceu com alguma mulher, em algum lugar. DISSO VOCÊS NÃO FALAM, NÉ?, dizem as pessoas que só estão nas redes pra encher o saco dos outros e não sabem nada do que está sendo dito ou feito. Essas pessoas querem realmente que as feministas falem sobre alguma coisa? É claro que não. O que elas querem, então?
Ora, pois: querem que percamos tempo nos explicando. Elas querem todas se sentindo mal e pensando “Puxa vida, é mesmo, o que eu faço não vale nada”. Elas querem nos ridicularizar, tirar nosso sono, comer nosso tempo, encher nosso saco até que ele fique tão cheio que não façamos mais nada. Querem nos desmoralizar. Só se cobra posicionamento dessa forma de gente por quem não se nutre um pingo de respeito.
Se a gente fala de normalização de estupro na cultura pop, vão dizer: DOS ESTUPROS DE VERDADE VOCÊS NÃO FALAM! Aí a gente fala dos estupros de verdade e eles: MAS E DAS MULHERES ESTUPRADORAS VOCÊS NÃO FALAM (!!!????!?!?!?!?!…..!!!) MAS E DESSA MULHER AQUI VOCÊS NÃO FALARAM. E NEM DESSA E NEM DESSA (Porque, é claro, precisamos falar sobre Todas As Coisas Que Acontecem, senão não vale nada.)
Se a gente fala de mulheres que morrem sistematicamente nas mãos de seus parceiros, eles vêm: MAS DESSE HOMEM COM O PINTO CORTADO PELA MULHER VOCÊS NÃO FALAM!
Aí a gente fala de QUALQUER COISA e sempre vai ter um falando de:
a) Serviço militar;
Caras, se virem, se vocês estão insatisfeitos, tenho uma sugestão: façam um movimento. Particularmente, acho ridículo o serviço militar ser obrigatório. Mas, enquanto houver mulher morrendo só por ser mulher, apanhando, sofrendo gaslighting, sendo estuprada, ganhando menos e todas as outras agruras, não vou me preocupar com os problemas de vocês. Aliás, problemão, né? Com essas incessantes guerras no Brasil é realmente um perigo.
b) Pagar menos ou nada na balada.
Essa é fogo, né? Que grande vantagem é pagar menos na balada! Nossa, manda desmontar o feminismo, se acabar a balada de graça eu não quero. Já vos ocorreu que, ao não pagar nada na balada e beber altas de graça, as mulheres ficam em posição de vulnerabilidade? Eu diria até que servindo como isca pra homem mal-intencionado “Oba, vamos nessa festa as 9inha vão estar todas muito locas”? Claro que não. Elas estão querendo, elas estão pedindo, elas elas elas elas. E dá-lhe dados retirados do Instituto Fiofó, que eles adoram ostentar. Nunca vai estar bom. Nunca. Nunca vai ser o suficiente.
A dica que eu dou pras colegas que se descabelam tentando se explicar pra essas pessoas é: perde tempo não, migs. Só vai causar ansiedade, dor de cabeça, vômitos, tal qual efeito colateral. Eles não querem explicações, querem encher o saco. Eles não querem dados, querem que você perca tempo. Eles não querem nada, não se importam com as mulheres, não acham que existam problemas e nenhuma explicação ou bate-boca, por mais que você argumente bem, vai satisfazê-los. Claro que existe diferença entre gente realmente querendo entender e conversar e gente que quer encher o saco, mas dá pra saber de cara qual é qual. A única coisa que satisfaz essa gente é o nosso silêncio, o nosso sumiço, o nosso rabo entre as pernas, com medo de encheção de saco, ou nem medo, apenas cansaço.
Sempre vai ter um trouxa pra encher o saco. E, pra cada trouxa, vai ter 10 mulheres que você vai ajudar com seus posicionamentos, com sua voz, com seu textão, com seu desabafo.
Eles podem até nos cansar. E cansam. Mas não podem, jamais, nos calar.
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