Em tempos de redes sociais, a célebre frase que intitula este texto, de autoria de Christopher McCandless, protagonista D'A Natureza Selvagem, ganhou um novo sentido. A palavra "compartilhar" tomou outro rumo. Combinada à felicidade, então, banalizou. Acredito que o significado da sentença aqui se transformou em autoafirmação. Só consigo ser feliz e me sentir em paz de verdade se os outros enxergarem minhas conquistas. E daí nasce um feed digital composto por sorrisos largos, famílias perfeitas, roupas grifadas e vidas sem problemas. Está aí para todo mundo testemunhar e mandar um sinal de legal, ou melhor, um coração, demonstrando que está amando tanta alegria.
Quando caí para o mundo não concordava com McCandless, e muito menos com Tom, que afirma que "é impossível ser feliz sozinho". Aos poucos, fui desapegando desta gana de compartilhar para me convencer da própria satisfação. Ainda em Paris, logo na chegada, lembro de estar sentada à janela de um bistrô enquanto comia uma omelete acompanhada de um vinho branco da casa.
Era final de tarde e fazia um friozinho, desses que dá prazer de se enrolar na manta e passear pela rua com as orelhas escondidas e as mãos nos bolsos. Apoiei o cotovelo na mesa e o queixo na mão enquanto observava o vai e vem de franceses encasacados na hora do rush e fui feliz. Tive certeza. Um dos raros momentos de exatidão sobre um sentimento. Sorri com o estômago. Todas as borboletas lá dentro se acalmaram. E eu estava sozinha. Feliz.
Passaram-se três meses deste momento até que eu desembarcasse na Noruega para finalizar o roteiro europeu. A bagagem mais leve, apesar do sobrepeso, e uma mente um tanto quanto rabiscada em novos conceitos. Mesmo com os poucos dias dedicados ao país, decidi que não poderia deixar de visitar os fiordes. Encaixei um quebra-cabeça complicado para dar tempo de ir a Flam e voltar a Oslo a tempo de pegar o voo para a África. Cheguei a titubear em algum momento, pensar se realmente valeria a pena tamanho esforço – passar metade de um dia só dentro de trens – e que bom que a resposta foi positiva.
Flam, sem dúvidas, foi um dos lugares mais deslumbrantes que já visitei.
A paisagem é de suspirar. Para começar, a estrada até a cidadela é considerada uma das mais lindas do mundo, o que torna o caminho um atrativo extra. Foi quando finalmente entendi toda aquela euforia em torno de viagens de trem, que, até o instante, não passava de outro meio de transporte para mim.
E pensar que no final do caminho ainda tinha o pote de ouro. Desembarquei em Flam, no meio das montanhas rochosas que encontram o mar, impactada com o horizonte. Da janela do quarto do hotel recebia a brisa gelada direto do Ártico e os raios do sol que brilha por 19 horas seguidas no verão norueguês, poético assim. Peguei o barco rumo à aventura. Uma lancha com lugar para 10 pessoas, mais intimista e divertida do que aquelas embarcações enormes que carregam uma centena de turistas. No passeio, desbravamos cantos especiais escondidos entre as curvas.
É uma fusão de cachoeiras que recortam os rochedos e fecham pactos com arco-íris, geleiras que nunca derretem nos topos das montanhas e vilarejos minúsculos e coloridos nas esquinas marítimas. Em um momento exato, o motor da lancha foi desligado em convite ao silêncio e intimando a olhar ao redor. Circundados por três dos principais fiordes da Noruega, estávamos no meio de tudo, só que do nada.
O guia, que passou a infância escalando por aquelas rochas e pescando daquele mar, não se conteve: "Perdi as contas de quantas vezes parei aqui, mas não me canso do que vejo e da beleza deste lugar". Ali, enganchada nessa frase, veio a tristeza. Bateu no âmago. Mudou meu semblante, e eu nem sabia que ela tinha vindo de mala e cuia para ficar por uns dias. Compreendi logo sua origem: vontade de compartilhar. Não, não, aquele compartilhar de Zuckerberg. Senti saudades claras e exatas do meu pai e da minha mãe. Imaginei os sorrisos, a empolgação, o quanto vibrariam em estar sentados ao meu lado na barca. Deduzi as reações e tive sobriedade para entender que não adiantaria relatar ou fotografar: jamais conseguiria traduzir a sensação do que vivi. E como eu gostaria de tê-los comigo, só para deixar as palavras de lado e conversar no olhar. Talvez brindar com uma taça de chocolate-quente após o passeio e dividir as impressões e a importância de viajar mundo afora e descobrir. Fiquei só. E triste.
Percebi que essa melancolia já havia me acompanhado em outros momentos da viagem. Especialmente nos que eu deveria estar mais feliz. Então compreendi que quando atinjo um pico de felicidade, nasce essa vontade lúcida de dividir com os que mais me importam. Não é de companhia que preciso, é dos que amo. Recuei na minha discordância de Tom e McCandless, afinal de contas, não era mudança que buscava nessa estrada? Há momentos em que a solidão combina com a felicidade, mas são específicos, o que os torna especialmente completos, como no caso do meu jantar em Paris. Mas no final das contas, fundamental é mesmo o amor que efetua a equação de que a felicidade só pode ser real quando compartilhada. Ah, você sabe a qual compartilhar eu me refiro.