É o edifício mais encantador que já deparei no Moinhos de Vento. Todo de vidro. O porteiro sussurra pelo interfone:
– Seu codinome?
Largo um riso tímido:
– Todo Mundo me Ama, Todo Mundo me Quer e Pronto.
Ele procura na lista entre apelidos como Amy ou Deixe-a, Bolinho de Aipim Light e Suprassumo da Geração Y e localiza minha identificação.
– Pode entrar.
Quem nos recepciona é um empresário da área de imóveis, fã de arquitetura e incentivador da cultura. Seu codinome é F*** pra C*****, por conta de sua alta performance ao atravessar o portal. Estamos falando aqui do “mundo encantado”. Um universo em que nomes são irrelevantes, profissões não interessam e o outro não existe. A chave para abri-lo está na mão do Messiê Loyal, um cara sem escrúpulos, preconceituoso e intolerante. Está pronto? Então, aperta o start.
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Relutei quando a empresária Débora Tessler me relatou que a oficina batizada de A Nobre Arte do Palhaço havia mudado sua vida e a de uma porção de gente como Giovanna Lancelotti, Luana Piovani, Bruno Gissoni, Reynaldo Gianecchini e Taís Araújo – e me convidou para participar da primeira turma em Porto Alegre. “Esse fíndi não vou poder”, enganei (a ela e a mim). Na verdade, pensava: “Não gosto desses negócios de autoajuda, jura que vou gastar meu tempo e dinheiro com isso.”
A proposta era passar dois dias na companhia de Márcio Libar, ator carioca especialista em palhaçaria e fundador do reality game que vem disseminando o lema #aceitaidiota país afora, em um trabalho de autoconhecimento para atingir a alta performance em diferentes âmbitos da vida. Sou cética. Só levo a sério a meditação, a Beatriz (psicóloga que me acompanha três vezes por semana há oito anos) e o Rivotril. Mas, depois de um Réveillon na casa da Narcisa Tamborindeguy – ai, que loucura! –, na festa mais luxuosa da qual já participei, em um momento da vida em que deveria estar soltando tantos fogos de artifício quanto os da noite anterior em Copacabana, fui acometida por uma crise de depressão e me vi sentada no sofá da casa da Débora tomando um chá: “Ok, reserva uma vaga para a próxima turma desse curso do palhaço”.
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Cedo da manhã lá estava, na Perestroika, com 10 desconhecidos, tão ou mais constrangidos que eu, sem saber o que viríamos a enfrentar. Os participantes do workshop assinam uma espécie de contrato: o que acontece no picadeiro fica no picadeiro. Sendo assim, as pessoas que se candidatam a passar pela experiência não têm certeza de quais atividades serão realizadas. Como as inscrições são apenas por indicação, o jeito é confiar no amigo (no caso, a Débora, que tem sido a ponte da oficina na Capital). Desligam-se os celulares, deixam-se os pertences de lado, e a função só tem hora para começar.
O objetivo é a contratação para o Grand Cirque Du Messiê Loyal. Vamos passando de fase, recebendo recompensas pelas vitórias e punições pelas derrotas. E aprendendo lições. O dono do circo trata todos como os perdedores e idiotas que são. A ação é cercada pelo conflito: você quer ser quem você realmente é ou aquilo que querem que você seja?
Eu havia planejado sair com as amigas no final do primeiro dia de jogo. Não consegui. Cancelei, passei no supermercado – quase bati o carro duas vezes – e fui organizar a casa para compensar a bagunça da mente. Ao longo da noite, mexi em algumas memórias e me percebi em frente ao espelho do quarto relembrando uma coreografia antiga, do tempo em que ser bailarina era profissão e paixão. Antes do Jornalismo. Bem antes da colunista. A Beatriz depois me explicaria: era uma catarse. E o Aurélio definiria: liberação de pensamentos e emoções que estavam reprimidos no inconsciente seguidos de alívio.
No segundo dia de oficina, passadas 24 horas, os “coleguinhas” eram amigos dispostos a conversar sobre qualquer assunto, todos conectados. Como o Messiê definiria: espelhos uns dos outros. O que veio nas horas seguintes será guardado naquela caixa de lembranças especiais que a gente esconde embaixo da cama. Foi no picadeiro, vestindo a menor máscara do mundo – um nariz de palhaço vermelho – de pés descalços, olhos inchados e abaixo de gritos de “arrasou!” e do sussurro “Nunca se esqueça da sensação de hoje” que eu fui contratada para o Grand Cirque e tomei a decisão mais importante dos meus 29 anos.
Na semana que passou, a palavra que mais tenho escutado é coragem. “Parabéns pela coragem”, dizem sobre a escolha profissional delicada que tomei. Optei por deixar de escrever como colunista para um grande jornal e tocar um projeto pessoal. O Messiê já enxergava. Quando entrei naquela sala escura ao som da música do Piratas do Caribe e o nosso olhar bateu, ele exclamou apontando para outros marmanjos da embarcação: “Essa aí tem mais coragem que vocês dois juntos”. Potencial eu tinha. O que faltava era ânimo para enfrentar os medos e aceitar uma idiotice: jamais serás quem tu não és.
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