A ideia de “mudar o mundo” deve ter quase a idade do próprio, mas nos últimos anos a expressão migrou dos discursos políticos e das assembleias estudantis para o ambiente corporativo. Sim, o mundo tem mudado tanto que até o sonho de mudá-lo acabou mudando junto.
Para parecerem modernas e conectadas com os desejos dos seus consumidores, as empresas de hoje descobriram que devem prometer não apenas eficiência e preços honestos, mas transformações no estilo de vida do maior número possível de pessoas. Não importa se o produto que oferecem é uma escova de dentes que dá bom-dia ou um aplicativo que controla quantas vezes você pisca, o negócio é ser, ou parecer, “disruptivo” – ou seja, ter potencial para “mudar o mundo”.
Na era da tecnologia, ideias simples podem alterar o jeito como chamamos o táxi, reservamos hotel, vendemos objetos usados. Não é exatamente uma revolução do tipo que coloca abaixo palácios e catedrais, mas um conjunto de pequenas mudanças que podem assumir grandes proporções quando ganham escala.
Quem transformou isso em slogan foi Silicon Valley. Lá, onde grandes corporações tecnológicas foram fundadas por garotos que ainda se viam como penetras na mesa dos adultos, tudo aquilo que não é intuitivo, conectado, globalizado, colaborativo tornou-se anacrônico e velho. “Mudar o mundo”, para a maioria desses bilionários e jovens aspirantes a bilionários, nada mais é do que fazer a transição de uma sociedade analógica para uma digital. Ainda existem jovens genuinamente idealistas, dentro ou fora das empresas de tecnologia, trabalhando como podem para diminuir o sofrimento, a injustiça ou a destruição da natureza, mas esses geralmente não esperam que um aplicativo ou uma nova máquina de fazer capuccino venham a resolver todos os problemas do planeta.
Sonhos de um mundo mais justo são reinventados a cada nova geração e nunca vão deixar de existir – pelo menos enquanto humanos mandarem no pedaço. Esse mundo que todos, a certa altura da vida, acreditam que pode ser mudado nunca fica realmente pronto. A principal diferença entre esta e as gerações que vieram antes é que hoje ficou mais fácil confundir a imaterial utopia de um mundo melhor com a expectativa – bastante materialista – de lucrar o máximo possível com todas as mudanças.