De repente o mundo está precisando de mais janelas. E janelas para serem puladas. Para sairmos um pouco dessa caixa, desse limite cultural que nós mesmos nos impomos. Esses dias eu estava conversando com um cliente sobre a experiência de morar fora. Não necessariamente do país, mas sair da cidade em que sempre vivemos. A conclusão que chegamos é que a sensação de poder "ser quem a gente quer, pois ninguém conhece a nossa história" é muito boa. É uma sensação de liberdade. Acho que pode ser por isso que muita gente "se encontra" quando faz algo assim, fica livre para "ser". Imaginei um grande imóvel, sem divisões, para irmos montando de acordo com a necessidade, aos poucos, deixando tudo livre para possíveis mudanças. Pensei em menos rótulos, menos julgamentos, mais quebras de padrões sociais, convenções estipuladas por nós mesmos, comparações, críticas. Enfim. Vamos pensar na forma como moramos e como isso reflete no nosso jeito de ser. Ou vice e versa. Ter a certeza de que quando nos espreguiçarmos, não bateremos na parede (do nosso apartamento e da nossa alma).
Esses dias eu estava me lembrando daquele filme argentino, Medianeras. Medianeiras são paredes cegas que dão para o prédio vizinho (em Buenos Aires, como mostra o filme, só é permitido janelas para a frente e para os fundos ), onde, clandestinamente, as pessoas abrem pequenos buracos para aumentar a entrada de luz. Como se fosse um respiro em meio às sombras sobrepostas de prédios, um raio de sol que parece acalentar a vida. E aí, comecei a divagar.
Observação
Existe uma pré-determinação no modo de viver das pessoas, principalmente no que diz respeito à moradia. Cada vez mais os imóveis diminuem de tamanho e aumentam de preço. Vive-se em pequenos "estojos", onde cada peça tem a sua função, seu tamanho ideal, seu uso específico. Fazer móveis "sob medida" virou até algo bom. O espaço construído é manipulado junto com o público que o usufrui, (nós). O resultado é uma anulação da crítica, uma aceitação de que o que é proposto é realmente o ideal. Somos encaixados em retângulos e cubículos que, ao mesmo tempo que nos aproximam, nos limitam, nos cercam, nos dão diretrizes.
Fato
Em uma sociedade que se organiza prioritariamente pelo espaço, os desdobramentos dessa realidade são bem importantes, já que a arquitetura determina ambientes de ação, delimita e sustenta relações que os indivíduos estabelecem entre si, influencia seus hábitos e movimentos de seus corpos, forma a percepção do espaço e expressa significados da cultura.
Ironia
Para um homem, solteiro, com 35 anos, o que o mercado oferece é um loft, onde as peças são integradas, o armário é de duas portas, a televisão deve ser 60 polegadas e o fogão é do estilo cook top. Além disso, ele e seus vizinhos dos outros 199 apartamentos, distribuídos em vinte andares, podem desfrutar de um imenso complexo de lazer com três piscinas, espaço gourmet e fitness center. Devem se sentar em uma chaise longue no jardim. Afinal de contas, tudo foi feito sob medida para sua felicidade e seu estilo de vida. Os apartamentos lembram show room de lojas de decoração. Tudo na medida para não sair do padrão e não fugir do conceito.
Lástima
Os compartimentos estão prontos, basta encaixar as peças. É como se fosse uma brincadeira de LEGO. Estamos acostumados com a pré determinação e até esperamos por ela. Existe certa preguiça em criar, já que nos acostumamos com tudo pronto, como criticou Andy Warhol no século 20, tudo é enlatado. Coloca-se valor em coisas que não tem valor. Criam-se símbolos que não fazem sentido algum. Estamos vivendo através de caixas moldadas e empilhadas, de plantas baixas desenhadas a ouro.
Piada
E compramos. E investimos. E moramos. E nos emolduramos. E nos enquadramos. E nos encaixamos. Somos praticamente seres sob medida.