Acostumei-me a ser a rainha da casa. Marido e dois filhos homens, sempre fui a única exemplar do sexo frágil (frágil? Hahaha, basta ver de quem é a última palavra aqui no pedaço). Depois, a Mari veio trabalhar aqui em casa, e ela casou e teve um filhinho, o Gabriel, que ela trazia junto todos os dias para o serviço, enquanto ele era bebê. Ou seja: mais um menino. Eu continuava sendo a soberana e eles os meus súditos.
- Esse banheiro é o meu, aquele ali o dos homens. Esse xampu e esse condicionador, que são melhores e mais perfumados (e consequentemente mais caros, óbvio) são os meus, porque cabelo de mulher é diferente. Aquele ali, ó, é para colocar no box do banheiro de vocês... Afinal, homem não precisa de muita frescura.
Pelo menos era assim. Parece que ultimamente as coisas estão mudando bastante... E assim eu ia, discriminando a "homarada" aqui de casa, me achando a tal e delimitando o meu território feminino.
Eles brigavam e discutiam porque nunca sabiam quem tinha pego cuecas, meias e camisetas de quem: "essa é minha, aquela é a tua", "eu coloquei pra lavar, a minha tá limpinha", "não, a tua é a que tá suja". E várias outras frases versando sobre o mesmo tema. Ouvi essa mesma ladainha sei lá quantas vezes. Só as minhas coisas, claro, estavam sempre limpinhas, cheirosinhas, dobradinhas, guardadinhas. Afinal, quem iria querer, entre aquele bando de machos, meias soquetes brancas com listrinhas rosa ou meias cinza com coraçõezinhos vermelhos? Sempre fiz questão de comprar tudo bem colorido e fofinho, justamente para evitar que um dia, desesperados por não acharem suas meias na hora de ir para a academia, eles acabassem "afanando" as minhas meias soquetes... De boba não tenho nada... Enfim, quem tem marido e somente filhos homens em casa sabe bem do que eu estou falando. A gente tem uma certa mordomia neste sentido, de que o nosso espaço, pelo menos no que diz respeito ao guarda-roupa e gavetas com acessórios e sapatos, está sempre preservado, porque ninguém vai pedir nada emprestado ou, pior ainda, pegar sem nem ao menos pedir licença antes.
Bom, deu para notar que eu escrevi tudo no passado, não é? Pois então...
Eu deixei de ser a rainha do lar. Não, não é bem isso. Ainda sou a rainha, no que diz respeito a continuar sendo a dona do pedaço, mas um pequeno ser, com não mais do que um metro de altura, vem tomando conta do meu território. Nada mais está a salvo: minhas escovas de cabelo, caixa de maquiagem, bijuterias, sapatos... Meu reino está ameaçado e eu estou achando isso o máximo!
A Mari, minha secretária que é muito mais do que isso - está comigo há 13 anos, criou meus filhos e é minha comadre - há dois anos e meio teve seu segundo bebê - desta vez, veio a Ana Clara, que vem junto com ela para a minha casa, todos os dias. Essa pirralhinha linda coloriu a nossa vida de cor-de-rosa. E eu, que comprei carrinhos de ferro para as coleções dos meninos, brinquei muito com os Comandos em Ação e até arrisquei jogar umas partidinhas de futebol no videogame, estou agora aprendendo a decifrar os insondáveis mistérios do mundo de faz de conta das princesas.
Ela olha os DVDs com olhinhos de encanto, escolhe os vestidos mais rodados da gaveta, não tira dos pés a sapatilha dourada e vive querendo mexer na minha caixa de bijuterias atrás de colares, anéis e pulseiras iguais aos das princesas. Ela tem cabelos cacheados cor de mel e os olhos azuis muito lindos e espertos. Impossível resistir quando ela chega bem pertinho e, ainda trocando as palavras, me olha bem séria e diz:
- Dinda, vamu bincá de piessa (princesa)?
Na hora de ir embora, ela ajeita a roupa, traz a coroa - sim, porque princesa tem que ter coroa (muito linda, com pedras azuis e rosa, que comprei no R$ 1,99) - para na minha frente, me dá um beijo e pergunta:
- A piessa tá linda? Só depois de receber o sim, ela dá tchau e sai de mão com a mãe. Dentro de pouco tempo nossa princesa vai para a escola, e eu voltarei a reinar absoluta entre os homens desta casa. Ah, que pena. Perdeu a graça.
Nada mais está a salvo: maquiagem, sapatos, bijuterias
Viviane Bevilacqua
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