Na minha rotina, é recorrente fazer a mala. São inúmeras viagens a trabalho, muito bate e volta ao Rio e ainda tem as férias, em que me encontro agora (meu corpo foi passear, mas a coluna ficou aqui). Tenho malas de todos os tamanhos, para todas as demandas. No entanto, na maioria das vezes me basta um volume de mão que levo dentro da aeronave, o que, além de prático, agora terá a vantagem extra de me fazer escapar da tarifa que as companhias aéreas desejam adotar a partir de março. Cobrar para despachar bagagem, mais esta.
Outro dia uma amiga me viu arrumando a pequena maleta que me acompanha a bordo e ficou espantada por eu conseguir acomodar roupas e sapatos para cinco dias em uma área tão reduzida e ainda conseguir deixar uma folga. "Não sei como, mas você poderia colocar mais alguma coisa, se quisesse", disse. Foi quando me vi explicando para ela que sempre ganho algum livro ou dois quando viajo para fazer sessões de autógrafos, sem falar que às vezes me deixo seduzir por uma blusa exposta em alguma vitrine ou simplesmente retorno com um par de Havaianas a mais para a coleção. E desta trivialidade me vi saltando para a filosofice: é sempre bom deixar um espaço reservado para a surpresa.
Eu tenho visto por aí muita gente que fechou sua vida de maneira a não caber mais nada dentro dela. Enfiou tudo o que precisava e até o que não precisava, sentou em cima para forçar a acomodação e deslizou, com dificuldade, o zíper por toda a sua volta. Feito. Agora não cabe mais nem um suspiro em sua vida estornicada.
Estando hermeticamente fechada, como aqueles sacos pretos que embrulham cadáveres, que pessoa consegue ficar receptiva para algum presente inesperado que a vida resolva ofertar? Se uma novidade atravessa seu caminho, a criatura nem nota, não leva em conta, sabe que não haverá maneira de adicionar mais nada em seu mundinho já repleto de certezas, hábitos, costumes, crendices e manias. Não há mais espaço dentro dela. Para nada. Para nenhuma ideia singular, mesmo que seja proveitosa. Para nenhum sonho, mesmo que ainda fosse necessário. Para nenhum amor, mesmo que raro. Para nenhuma alteração de rota, mesmo que esta alteração realizasse o seu desejo mais secreto. Ela não pode arriscar abrir sua bagagem de novo, sob o risco de ver tudo o que há de amarrotado lá dentro saltar para fora. Estipulou para si o "ninguém entra, ninguém sai" a fim de se sentir conformada com o que tem e também com o que não tem.
É tempo de férias. Em algum momento, você vai arrumar sua mochila, sua sacola, sua mala de rodinhas. Meu toque: não a abarrote. Só assim continuará de olhos abertos por aí.