Ando desconfiada da minha capacidade de avaliar obras cinematográficas, pois a mais recente estreia do único ídolo que tenho na vida, Woody Allen, não me arrebatou como eu esperava. Fui preparada para gostar, mas devo ser uma das raras pessoas a ter achado Café Society razoável, nada além disso. Diante da minha inesperada decepção, considerei que o problema era eu e insisti: entrei numa sala de cinema para assistir a Aquarius preparada de novo para gostar. Mas o inesperado aconteceu novamente: gostar foi pouco. Saí completamente arrebatada e comovida.
Por onde começar? Talvez enaltecendo a interpretação incrível de Sonia Braga. Ela está perfeita no hiper-realismo que o diretor Kleber Mendonça Filho impõe como meio de contar sua história: somos voyeurs de cenas que não parecem ter sido escritas e ensaiadas, elas simplesmente existem como existe a nossa vida, exatamente igual.
Aquarius mostra a maneira como Clara, uma mulher viúva, com três filhos adultos e que passou por um câncer de mama, reage à insistência de uma construtora para que ela venda o apartamento onde viveu quando jovem, depois com o marido e as crianças, até a solidão madura e bem resolvida de hoje.
Ela é a única moradora de um velho prédio em frente ao mar, e não vê motivo para sair dali, mesmo que todos os seus vizinhos já tenham cedido e se mudado.
Aquarius fala sobre integridade. Sobre a dificuldade de abrir mão daquilo que nos constitui, do nosso edifício interno, onde abrigamos nossos valores, mesmo que eles pareçam desatualizados. Clara nos encanta, mas sua teimosia nos confunde: por que ela não vende logo o apê e se livra das incomodações? Porque, mais do que um apartamento, ele é a fortaleza que resguarda o caráter de sua dona. Mais do que um imóvel, é a extensão de seu corpo. A resistência dela não é teimosia. É dignidade concreta.
Hoje em dia, quase ninguém mais percebe nossos alicerces, aquilo que nos sustenta emocionalmente. No início do filme, uma jovem vai entrevistar Clara, que é expert em música, colecionadora de vinis, mulher de sensibilidade apurada. Dias depois, quando Clara lê no jornal o título que escolheram para a matéria, desilude-se um pouco mais: as pessoas nem ao menos nos escutam.
Não quando nossa verdade não dá audiência, não gera lucro. Somos os últimos sobreviventes de uma era em estado terminal. O analógico e o digital quase não dialogam mais, e a emoção tenta prevalecer sobre a razão, mas até quando? Clara sabe que há outros cânceres que nos corroem e que também deixam cicatrizes – a ganância, entre eles. Mas se ela venceu um, vai tentar vencer todos.