Prepare-se para ouvir falar muito de João Maraschin. Designer de moda, 28 anos, natural de Caxias do Sul, morador de Londres, Maraschin está construindo uma carreira internacional admirável, que reverte elogios a cada novo passo.
Depois de apresentar a coleção de estreia em desfile coletivo na London Fashion Week, o designer se prepara para lançar, em outubro, uma segunda coleção junto ao site e ao e-commerce da marca.
A proposta do estilista gaúcho é manter a conversa entre o artesanal e o contemporâneo, substituindo a pressa de calendários pelo respeito ao ritmo do processo criativo e de produção e atendendo a uma consumidora com uma deliciosa compreensão sustentável de ser e estar. Uma grife que reflete os desejos de uma mulher mais madura e consciente – se não de idade, de conhecimento.
Formado em moda em Caxias do Sul, Maraschin foi fazer um pequeno estágio com o estilista mineiro Ronaldo Fraga em 2014. A harmonia surgiu de imediato, e o período breve se estendeu assim que o estilista voltou de um curso já agendado na Itália. Era janeiro de 2015 quando se iniciava a parceria com Fraga, que acabou inspirando muito o trabalho do jovem designer, principalmente no uso de técnicas artesanais. No segundo semestre de 2016, João foi para o London College fazer uma pós-graduação em Design de Moda. Os estudos se prolongaram, e ele fez também um mestrado.
E foi a coleção de formatura no mestrado, uma mistura de material de base biológica e processos artesanais, inspirada na sua condição de estrangeiro, com o tema “Foreigner Traveller”, que encantou os avaliadores e garantiu uma vaga no desfile coletivo do London College na passarela montada na Roundhouse, espaço de shows localizado em um antigo galpão ferroviário no bairro de Camden Town.
Além do trabalho de artesãs brasileiras, o estilista usou um material totalmente novo, o “couro de folha”, chamado Beleaf, produzido pela empresa carioca Nova Kaeru, especializada em peles como a de pirarucu. Com esse material, Maraschin criou três modelos de bolsa e quatro de sapatos idealizados em parceria com a designer Tabitha Ringwood, além de um colete e uma saia lápis.
Depois da passarela, as peças foram exibidas para compradores em dois showrooms, o que ampliou a excelente repercussão do show. Maraschin ganhou elogios em diversas publicações nacionais e internacionais. E já garantiu mais duas temporadas no British Fashion Council. Uma estreia e tanto, né?! Maraschin conversou com a gente desde Londres, onde nos contou um pouquinho mais sobre seu trabalho atual. Confira a entrevista.
O trabalho com Ronaldo Fraga influenciou a sua escolha pelos processos artesanais?
Com certeza! O trabalho com o Ronaldo estimulou ainda mais a minha curiosidade em trazer técnicas manuais e a relação com o artesanato brasileiro para perto do meu processo criativo. E não só, mas também o compromisso em integrar e trazer questionamentos sociais e culturais para o meu exercício de moda.
Você foi estudar em Londres e acabou ficando? Nos fala sobre esta mudança, como foi criar, estudar e ficar em um país estrangeiro? Como é ser um estrangeiro criativo?
Pode parecer fácil de quem olha de fora, mas morar, estudar, construir uma vida inteira pessoal e profissional, em solo internacional, é bastante desafiador. Eu vim pra Londres para fazer uma pós em Design de Moda, na qual resultou também em um Mestrado em Design de Moda, respectivamente, e as oportunidades incríveis que tive por aqui me fizeram querer ficar. Antes de decidir abrir minha marca homônima, trabalhei na equipe da Wales Bonner e do JWAnderson. O mestrado instigou o pensar em algo mais privado que pudesse construir a fundação da minha marca - e é aí que o fato de ser estrangeiro também passa a influenciar meu processo criativo (o nome da primeira coleção é Viajante Estrangeiro). O mercado britânico é bastante diversificado e aberto a novos designers, independentemente da nacionalidade. Ser um estrangeiro criativo aqui é incrível, porque Londres, de um modo geral, é o ponto de encontro de pessoas do mundo inteiro. A exemplo, tive apenas uma colega britânica no mestrado, todos os demais eram de diversas outras nacionalidades.
A pandemia alterou a sua rotina?
Sem dúvida! Antes, eu ia para o estúdio às 7h30min e voltava para casa às 23h. Hoje introduzi muito mais flexibilidade e aprendi a gerenciar o tempo de uma maneira muito mais equilibrada. A respeitar o espaço abstrato e concreto, entre o meu estúdio e a minha casa, e a minha vida pessoal e a minha vida profissional.
Falando em rotina, como é a sua? Nos conta um pouquinho.
Procuro trabalhar de segunda à sexta, mas, claro, aos finais de semana estou envolvido com leituras, passeios ou algo que, eventualmente, passa a fazer parte do processo criativo também. Tenho um estúdio no leste de Londres, próximo de casa. Corro no parque de manhã cedo, depois vou de bicicleta para o estúdio e começo a trabalhar às 9h30min e fico até as 18h30min. De manhã, me concentro mais em fazer o administrativo e e-mails, à tarde foco no criativo e prático.
Conta um pouquinho sobre o seu processo de produção? Na primeira coleção, tinha muito do feito à mão brasileiro. Isso se mantém?
Sempre! Colaboração, cocriação e a preservação de técnicas manuais tradicionais em um contexto contemporâneo fazem parte do DNA da minha marca. Tenho paixão pelo artesanato brasileiro e é muito importante trazer essa potência incrível, porém pouco explorada, para um contexto e cenário internacional com o meu olhar. O meu contato com os artesãos é constante, independentemente de coleção ou não, estamos sempre pesquisando e testando novos materiais, olhando pra frente.
O trabalho artesanal e de base biológica permanecem nas novas coleções?
Sim, já estou desenvolvendo a próxima coleção, que será lançada na metade de outubro (se todos os transportes vindos do Brasil não atrasarem). Estou explorando alguns materiais bem interessantes em crochê e o bioproduto à base de folha permanece, ainda mais presente nos acessórios e na coleção de calçados novamente em parceria com a designer britânica Tabitha Ringwood.
Você comentou que a escolha da modelo, uma mulher mais madura, acima de 50 anos, tem muito a ver também com o público com o qual você quer conversar. Nos fale um pouquinho desta mulher JM?
A mulher e musa da marca João Maraschin é experiente, interessada em cultura, em se transformar o tempo inteiro. É curiosa, está aberta para sempre aprender algo novo e livre para experimentar. Admira e valoriza processos mais responsáveis. Busca por um novo que é diferente e não pelo reproduzido. É alguém que cria profundas conexões, seja com aquilo que pensa ou com aqueles com quem convive. Naturalmente, ela é mais madura e não tão preocupada em agradar ninguém mais do que a ela mesma. Essa mulher se preocupa de que maneira as suas práticas pessoais impactam o planeta e as pessoas. Ela é engajada em viver a vida de forma leve e ativa, sustentando maneiras mais saudáveis de ser e estar.
Você vai apresentar mais coleções no Positive Fashion? Você pretende seguir com desfiles ou algum outro tipo de show para marcar a estreia de uma coleção?
Faço parte do evento oficial da London Fashion Week, neste momento absolutamente online e meu perfil está acessível no site do evento. Não vou mostrar dentro do calendário em setembro, em razão das datas e logística, porque houve uma flexibilização na questão de gênero no LFW, porém os meses de lançamento continuam os mesmos.
Como o meu trabalho se relaciona bastante com outros países, em uma cadeia que hoje envolve o Brasil, Senegal e Portugal, tomei a decisão de lançar mais para frente, com o objetivo de respeitar os artesãos com quem trabalho e não colocar pressão no desenvolvimento e nas comunidades. Atualmente, trabalho com quatro comunidades de artesãos, onde, num contexto geral, mais de 80% dos integrantes têm mais de 70 anos, ou seja, a saúde e segurança deles vêm antes de qualquer vontade criativa.
Portanto, vou lançar de forma digital, com fotos e vídeos, em outubro. Neste momento, não planejo nenhum evento físico, mas há vontade de fazer uma exposição com loja pop-up em novembro; tudo depende do cenário em que vamos estar em questão da pandemia.
Hoje se discute como nunca a periodicidade das coleções. Como você vê isso? Como você pretende criar?
Uma das coisas que já nasceu com a marca que difere um pouco do sistema tradicional é de alongar o tempo de vida da pesquisa de uma coleção. Na primeira coleção, olhei para a condição de estrangeiro viajante e para o trabalho do artista brasileiro José Leonilson e esse tema continua na segunda. Além disso, as minhas coleções não têm estação. Como pretendo atender ao mercado do Hemisfério Norte e Sul ao mesmo tempo, as coleções têm de biquíni a casaco no mesmo mix. Vou criar respeitando a saúde das relações que existem por trás do produto que entrego. Por isso, em alguns momentos, as coleções vão ser lançadas dentro dos calendários da indústria. Em outros, não. É mais importante, e tem mais valor para mim, entregar um produto que foi feito no tempo que ele deveria acontecer, mais do que na pressão de uma data de lançamento.
Conta um pouco sobre a expectativa em relação ao site da marca. Vocês terão e-commerce? Será para todo mundo?
O site e e-commerce serão lançados juntos à próxima coleção. Procurei focar bastante em falar sobre todos os processos que existem por trás das peças; transparência é um valor muito importante para mim, por isso todo mundo já tem acesso via Instagram aos fornecedores com quem eu trabalho, os artesãos, materiais e tudo mais. O site vai trazer ainda mais informações, em profundidade. O foco de venda será para o mercado europeu, em razão das vendas serem conduzidas em libras. No entanto, aceitaremos pedidos de todos os lugares do mundo, gerando a oportunidade de dialogar com diferentes territórios ao mesmo tempo