A megaestrutura da escola Hyosan High, na Coreia do Sul, pouco se assemelha aos tijolos laranja que compõem a arquitetura da EMEF Antônio de Godoy, em Alvorada. Elas, aliás, não teriam quase nada em comum, não fosse o fato de ambas terem sido o marco zero para infecções zumbi (além de serem palco para dramas adolescentes).
A primeira é fictícia, criada para All of Us Are Dead, nova série sul-coreana da Netflix que estreou em 28 de janeiro – e, desde então, não saiu da lista de mais assistidas da plataforma. A segunda é tão real que serviu de cenário para a maior parte das cenas de Alvorada Z, longa-metragem produzido em 2016 por estudantes de diferentes escolas públicas do município da Região Metropolitana, sob orientação do projeto Clube das 5.
Na série, um grupo de alunos fica preso no colégio quando uma epidemia zumbi estoura no local. Ao passo em que luta para sobreviver, cada um deles luta ainda contra os zumbis internos – traumas, violências, inseguranças, amores não correspondidos. E no filme gravado anos antes em Alvorada, também. Mas antes de qualquer coisa: não se trata de plágio. Ainda que as histórias lembrem tanto uma a outra que a semelhança tenha despertado estranheza no professor André Bozzetti, um dos coordenadores do Clube das 5.
– Quando vi o trailer (da série) pela primeira vez, pensei: “Bá, já vi esse filme antes” – lembra Bozzetti, aos risos, enquanto pondera que os coreanos provavelmente não assistiram à Alvorada Z.
De fato, não. A trama de All of Us Are Dead é inspirada em uma história em quadrinhos já famosa na Coreia do Sul por levar um apocalipse zumbi a uma escola. Porém, na série, a presença dos mortos-vivos é apenas pano de fundo para discutir questões como o bullying.
Os zumbis alvoradenses nasceram de forma mais despretensiosa. A ideia partiu do desejo de Bozzetti de homenagear o Clube dos Cinco, clássico da década de 1980 que, anos depois, inspiraria também o nome do projeto. A película mostra alunos diferentes que começam a descobrir o que têm em comum quando são mantidos de castigo. Era essa a trama que almejava recriar, mas uma exigência do roteiro parecia difícil de ser solucionada.
– Pensei em como iria trazer para os dias de hoje, considerando que não tem mais isso de deixar aluno de castigo (risos). O que, então, deixaria eles presos? Toda a história veio de referências que os estudantes tinham de seriados como The Walking Dead, filmes como Madrugada dos Mortos. Já as histórias dos personagens são reais, ou minhas ou dos alunos.
Guerrilha
Outra diferença é o tom sombrio. All of Us Are Dead abusa das cenas de ataque, com perseguições forjadas em maquiagens e jogos de câmera impecáveis, criando um clima de aflição nos 12 episódios de quase 1h. Já os zumbis de Alvorada Z costumam ser mais comedidos ao espalharem a infecção pela cidade. Enquanto a série é fruto de um investimento de cerca R$ 5 bilhões da Netflix em produções sul-coreanas, o longa alvoradense contou com orçamento zero – de modo que seria difícil colocar 200 zumbis para correr pelas ruas a fim de gravar uma única sequência de ação. Tudo em Alvorada Z foi feito no amor. O cinema é de guerrilha – e os estudantes são verdadeiros guerrilheiros de fazer cinema. Há verdade em cada cena, até porque, no fundo, tudo é mesmo de verdade: a escola, a casa dos alunos, os alunos, suas histórias.
O filme desperta uma emoção diferente. Não é a angústia por quem será mordido na próxima cena, mas o orgulho por perceber que, na frente e atrás da câmera, é a educação pública quem comanda o set. Quando os créditos sobem e os nomes dos alunos ganham a tela, sobe também a esperança. Quem quiser senti-la, é só procurar por Alvorada Z no YouTube.