Da sala para qualquer cômodo da casa. Para qualquer lugar, a qualquer hora. De qualquer parte do mundo. Em qualquer tela. Desde sua primeira transmissão em cores no Brasil em 1972, durante a Festa da Uva, em Caxias do Sul, a televisão passou por diversas transformações ao longo das décadas.
Tendo chegado ao país em 1950, com sua primeira transmissão realizada pela TV Tupi em 18 de setembro daquele ano, a mídia se popularizou cada vez mais a partir dos anos 1970, com os aparelhos ganhando papel central nos lares.
Quando a TV coloriu o preto e branco, algumas tecnologias já estavam estabelecidas no Brasil: o vídeo tape (VT) chegou em 1959 revolucionando as transmissões, e já havia controle remoto desde 1962. Depois de ganhar cores, a TV passaria outras evoluções com o tempo: diferentes tamanhos e formatos de aparelhos, a digitalização, a conexão com a internet, imagens em alta definição, entre outras tecnologias.
Anos 1970: integração e profissionalização
A partir da exibição da Festa da Uva, o processo de transmissões em cores se deu gradativamente durante a década. Naquele ano, a Semp Toshiba lançaria no mercado o primeiro televisor colorido do Brasil. Vários programas em cores foram adaptados, vide o especial Meu Primeiro Baile, de Janete Clair, na TV Globo, e o espetáculo Mais Cor em Sua Vida, na TV Tupi. O primeiro programa regularmente em cores da televisão brasileira foi ao ar pela TV Gazeta, de São Paulo: Vida em Movimento, apresentado por Vida Alves.
A primeira novela a ser exibida em cores foi O Bem Amado, da TV Globo, a partir de 24 de janeiro de 1973 — também foi o primeiro folhetim brasileiro vendido para o Exterior, em 1976. No mesmo ano, a TV Bandeirantes, de São Paulo, tornou-se a primeira emissora a transmitir em cores toda sua programação.
A década é marcada por um grande investimento tecnológico do governo no setor, como observa Débora Lapa Gadret, coordenadora do curso de Jornalismo da Unisinos em Porto Alegre:
— Os militares viam a TV como instrumento a ser utilizado na criação de uma identidade nacional. Havia uma ideia de Brasil integrado.
Leandro Olegário, coordenador do curso de Jornalismo da ESPM Porto Alegre, frisa que esse período também estabelece a TV como indústria profissionalizada, substituindo cada vez mais a lógica do improviso.
— Também há uma popularização da programação, com as telenovelas e atrações de auditório, que consolida ídolos e incorpora a TV ao cotidiano da população – acrescenta Olegário.
Anos 1980: satélite, parabólicas e VHS
Novas tecnologias foram introduzidas na década: em 1982, Sharp trouxe o videocassete VHS no Brasil; no mesmo ano, a Rede Bandeirantes passou a transmitir seus programas via satélite, substituindo o sistema terrestre de micro-ondas; foram autorizadas oficialmente as antenas parabólicas particulares em 1984, o que expandiu o alcance das transmissões televisivas e incrementou o número de telespectadores; em 1985, houve o lançamento do primeiro satélite de comunicação brasileiro, o Brasilsat, para fornecer serviços de transmissão de dados para todo o país; há também, em 1987, a implantação do som estéreo na televisão; por fim, em 1989, estreia o Canal+, em São Paulo — primeiro canal de TV por assinatura no país, operando em UHF.
Anos 1990: o poder do controle remoto
O começo da década marca o início das atividades das operadoras a cabo no Brasil, como TVA (do Grupo Abril) e Net, em 1991, e a Globosat, em 1992. Segundo Débora Lapa Gadret, o poder do controle remoto ganha mais força para o telespectador a partir da entrada da TV paga no país, que promove a segmentação de conteúdos — havia o canal para o jovem, para a mulher, para filmes, para esportes, para notícias (como o Globo News, o primeiro exclusivamente jornalístico do Brasil, no ar a partir de 1996).
— Também houve uma globalização — acrescenta a professora. — Começamos a receber muita coisa de fora.
Débora ressalta que o UHF é uma experiência importante, estabelecendo mais canais locais e regionais. Após o processo de nacionalização iniciado nos anos 1970, há um esforço para o conteúdo regional próprio.
Também é a década que a interatividade ganha espaço. Um dos símbolos desse formato é o programa Você Decide, da TV Globo, que estreou em 1992. Em cada programa, era exibida uma história, e o público escolhia por meio de ligação telefônica qual seria o desfecho da trama.
A era 2000: reality shows e segunda tela
A partir da virada do século, os reality shows conquistam o público brasileiro — No Limite, o primeiro a alcançar grande sucesso, estreou em 2000, enquanto o Big Brother Brasil chegou em 2002.
Ao longo dos últimos 20 anos, houve um entrelaçamento cada vez maior entre televisão e internet. Mas a TV também passa a dividir a atenção dos telespectadores com o streaming. Tudo começa com a chegada da plataforma de vídeos YouTube, em 2005, e depois com a Netflix, disponível no Brasil em 2011.
— Uma geração está crescendo sem ter a televisão como algo central em suas vidas. A audiência ficou pulverizada, em diferentes plataformas. A TV passa a ter que ocupar outros espaços, a ser transmidiática (que se desenrola em múltiplas mídias) — observa Débora, professora do curso de Jornalismo da Unisinos.
A transmissão, por sua vez, deixou de ser exclusividade de aparelhos televisivos: é possível assistir à programação em smartphones, computadores ou tablets a qualquer momento do dia. Por outro lado, a criação de eventos ao vivo e imperdíveis seguem atraindo o público. Débora comenta:
— Se não estiver assistindo ao BBB, a uma partida de futebol ou a uma série na hora que todo mundo está vendo, você perde a discussão. Isso ultrapassa o aparelho, é a experiência.
Leandro Olegário aponta que nos anos 2010 houve a consolidação do fenômeno da segunda tela (ver TV e comentar o programa na rede social, simultaneamente). No caso, a televisão também funciona como laço social, com espectadores de diferentes partes acompanhando as atrações e interagindo:
— Isso faz com que a TV permaneça no seu lugar de protagonismo. Ela conseguiu se adaptar às transformações.
Quanto aos aparelhos, as TVs de tubo começam a perder espaço para formatos de plasma, LCD e LED a partir dos anos 2000. Na década seguinte, a smart TV eleva o patamar dos aparelhos com possibilidade de conexão à internet e aos aplicativos.
As imagens também foram aperfeiçoadas: primeiro com Full HD e 4K no começo dos anos 2010; mais tarde, com tecnologias como 8K, oled, qled e nano cell.
No quesito transmissão, o Brasil inaugurou oficialmente o sistema de TV digital em 2 de dezembro de 2007. Desde 2016, o sinal analógico passou a ser desligado no Brasil. Originalmente, era previsto que o desligamento total fosse concluído em 2018, mas foi postergado para 2023.
O que vem por aí: a personalização da experiência
Após 50 anos da primeira transmissão em cores no Brasil, a televisão no país segue se transformando. Elmo Francfort, diretor do Museu da TV, Rádio & Cinema e coordenador do Memória da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), destaca que há estudos e investimentos, com o apoio do Ministério das Comunicações, para ampliação do sinal 5G, o que irá também repercutir numa maior expansão da TV para todo país.
Para Francfort, a transformação das funcionalidades e dos softwares de interatividade farão com que o televisor seja um ponto de encontro de várias mídias:
— Vamos pensar mais nos canais de TV como uma filosofia de aplicativos do que com o pensamento que temos deles desde 1950, no Brasil. As experiências serão únicas, durante as atrações e os intervalos, com conteúdos exclusivos projetados para cada usuário — vislumbra.
Marco Gomes, diretor de Entretenimento e Canais do Grupo RBS, ressalta que a TV aberta no Brasil segue sendo o único meio capaz de falar com quase 100% da população, de forma muito rápida e com grande capacidade de mobilização. Ele destaca que o avanço pós-TV digital HD prevê tecnologias para personalização de conteúdo, publicidade direcionada, alta qualidade e expansão de funcionalidades da TV aberta do futuro.
— A evolução dos aparelhos de televisão, incluindo ampla conectividade com internet, capacidade de resolução 4k e outras vantagens, irá acelerar a adoção dessas novidades — diz Gomes. — A RBS acompanhará esse processo e, por isso, prepara sua infraestrutura e operação para o novo ciclo de evolução, e disponibilizará a seu público e a seus clientes as tecnologias mais contemporâneas do mercado.
Segundo pesquisa do IBGE de 2019, 96,3% dos domicílios entrevistados possuíam um aparelho de televisão. O estudo também aponta que, de 2018 para 2019, houve aumento substancial no número de lares brasileiros em que havia televisão de tela fina (de 53 milhões para 57 milhões).
Leandro Olegário, do Jornalismo da ESPM, acredita que a televisão continuará sendo protagonista nos próximos anos, porque a sociedade é bastante estimulada pelo impacto visual:
— As dores e as alegrias do mundo passam pela televisão e vão continuar passando independentemente da forma ou tamanho. Seja no celular, seja em óculos inteligentes, seja num painel cristalino que ocupe a sala toda. Se o áudio promove a emoção, a imagem traz a comoção e mobilização. Esse casamento de linguagens dá à TV um protagonismo único.