Uma compilação de cenas de violência física e psicológica, emolduradas de perversidade e num crescendo que varia entre o angustiante e o raivoso. Poderia ser um filme de terror, mas é o que muitas mulheres chamam de realidade – e que virou o single P.U.T.A., poderoso e necessário manifesto da banda Mulamba. Lançada no ano passado, a canção funciona como uma espécie de carta de intenções do sexteto curitibano e integra o repertório que será apresentado nesta quinta em Porto Alegre, no projeto Noites Morrostock, no Opinião.
A Mulamba foi formada em 2015 para um tributo a Cássia Eller. Mas a sintonia entre Amanda Pacífico e Cacau de Sá (vozes), Caro Pisco (bateria), Fer Koppe (violoncelo), Naíra Debértolis (baixo) e Nat Fragoso (guitarra) foi tão grande que o projeto evoluiu para uma banda com repertório autoral, composta por mulheres fortes inspirada por outras mulheres fortes, como Elza Soares, Gal Costa, Marisa Monte e Rita Lee.
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No decorrer da formatação do grupo, cresceu a vontade de explorar temas caros à militância feminista, como empoderamento feminino e a luta contra o machismo e a misoginia – assuntos tratados também no single que leva o nome da banda.
– A gente sentiu uma força gigante depois da viralização do clipe de P.U.T.A. e isso foi muito gratificante – explica Fer Koppe. – Percebemos que tem muita gente querendo ser ouvida e tentamos sempre traduzir esses anseios por meio da música. Queremos gerar cada vez mais discussão, porque a informação é o que de fato pode provocar transformações. Acreditamos que só é possível conscientizar as pessoas a partir do momento em que determinado assunto é pautado e, consequentemente, causa reflexões. E é isso que a gente busca: conscientização.
É uma postura que coloca a Mulamba ao lado de suas companheiras de palco da Noites Morrostock, MC Linn da Quebrada e Orquestra Friorenta, mas também Liniker, As Bahias e a Cozinha Mineira e outros artistas que estão dando voz a minorias sociais antes invisíveis. Fer entende, no entanto, que a luta está longe de ganha.
– Vivemos uma onda de intolerância forte e, em muitas situações, é difícil abordar temas como igualdade de gênero. Temos percebido certa abertura de espaço para essas discussões em alguns veículos da grande mídia, mas ainda é algo restrito e reduzido, porque, como estamos falando sobre pessoas oprimidas socialmente de diferentes maneiras, enfrentamos barreiras disseminadas pelo pensamento conservador. Em contrapartida, sabemos que a Mulamba tem em mãos um instrumento extremamente poderoso, que é a música. Talvez, dessa forma, seja possível atingir uma repercussão maior e impactar mais pessoas.
AGENDA MUSICAL
Quinta-feira é dia de não dar mole e conferir o projeto Especial Simonal no Bar Ocidente (João Telles esquina Osvaldo Aranha). Chico Paixão (guitarra), Marcelo Granja (baixo), Leonardo Boff (teclados), Ronie Martinez (bateria), Eduardo Pitta (vocal) e Huberto Boquinha (trombone) interpretam os grandes sucessos do mestre do suingue. A casa abre as portas às 21h e os ingressos para o show custam R$ 30.
Formado por Gilberto Oliveira, Lucas Fê e Dionísio Souza, o Gil Jazz Trio se apresenta nesta quinta-feira, às 18h30min, no Jardim Lutenzeberger da Casa de Cultura Mario Quintana (Andradas, 736). A entrada é franca.
LANÇAMENTOS
VAMO MATUNGÁ!
Matungo
Ex-vocalista da Bombo Larai, Vandré La Cruz se lança agora em carreira solo como Matungo. Na estreia, preferiu não mexer em time que está ganhando: manteve a cumbia como base, misturando aqui e ali elementos de outros gêneros, como samba, candombe, MPB, milonga, reggae e tango. Cantando em português e espanhol, Vandré carrega mais do que música no bojo do seu violão, como canta em Mormaço: "Cabe dentro de mim uma roda de samba / uma murga que canta / a voz de quem se foi / o sonho tropical / todo o carnaval / todo esse suor". Existe esse desejo explícito de sentir, explorar e saudar o espírito miscigenado que constitui a identidade da América Latina e seus habitantes – expresso especialmente bem em Cumbia a lo Mestiço, Mormaço e Matungo, trinca que abre o disco. Mas há ainda espaço para crítica social e política (Você Tem que Me Consumir e Rato Revolucionário) e um bem humorado conto sobre cruzamento de gêneros musicais (Milonga Vagabunda). É uma estreia promissora, de um artista que, mesmo maduro em seu propósito, pode ir muito além. Cumbia, UÉ discos, 10 faixas, disponível para audição nos serviços de streaming.
CARNAVAL, FUTEBOL E TRAGO!
I.C.H.
Que força espetacular tem a memória afetiva. Mesmo perto de completar 36 anos, ainda sinto o coração tremer quando ouço um disquinho de hardcore. Quase me chega a boca o travo de doses industriais de cerveja barata, que ingeria em botecos cuja mobília consistia em engradados empilhados até o teto e um balcão de fórmica todo lascado. Divago assim ao ouvir o trabalho da I.C.H. (abreviação para Imbecis Comandam os Homens), banda que desde 1993 compõe a trilha sonora do underground de Canoas. Disponibilizado agora em formato digital, o EP traz quatro músicas compostas entre 1999 e 2002, que nunca entraram nos discos oficiais do grupo – apenas em uma ou outra fita K7 perdida no tempo. Agora, chegam com qualidade decente e acessíveis para todo mundo. Agora me deem licença que eu vou ali calçar meus coturnos e ouvir mais um pouco da I.C.H. Rock, independente, 4 faixas, disponível para audição nos serviços de streaming ou em ich1993.bandcamp.com.
LADIES AND GENTLEMEN
Barenaked Ladies & The Persuasions
Os Barenaked Ladies são uma formação de pop canadense que alcançou relativo sucesso nos anos 1980-90. Formado nos anos 1960, os grupo vocal The Persuasions é conhecido por aparecer em disco de artistas de relevo, como Frank Zappa, Stevie Wonder e Joni Mitchel. Quer dizer, são dois animais completamente diferentes que apenas em uma época inclassificável como a nossa poderiam se juntar. E deu muito certo: Ladies and Gentlemen recria canções do repertório dos Barenaked Ladies com a participação dos Persuasions, resultando numa combinação perfeita de pop radiofônico de alta qualidade com melodias vocais impecáveis. Você coloca o disco para rodar e já sai dançando, estalando os dedos e fazendo coreografias como se estivesse na parte musical de alguma comédia romântica dos anos 1990 – e isso foi um elogio, de verdade. Se eu fosse classificar, diria que é um soft rock ou rock de tiozão, daqueles que você acreditava que nunca mais ouviria. Mas está aí. Ladies... é uma celebração da música pela música, sem compromisso em indicar caminhos ou celebrar demais o passado. Só um bando de grandes músicos se divertindo. Pop, Raisin Records, 15 faixas, disponível para audição nos serviços de streaming.