Tantos políticos, que transformam a língua em uma pasta amorfa, abatumada por promessas que não fermentam, há muito recoberta pelo glacê de caríssimas publicidades. Tantos amantes, que simulam um lirismo feito de preguiçosas fórmulas, parnasianos dos sentimentos, como se nunca houvera um Manuel Bandeira. Tantos intelectuais, satisfeitos em ler e entender o que só eles mesmos escrevem. Tantos poetas, como este, que se arrogam defensores da poesia, ou acreditam ser necessário defendê-la. Tantos acadêmicos, esterilizando a cada dia as palavras de sua potência e expressão, repetidas congresso após congresso, revista após revista até que pareçam fazer algum sentido, ao menos para seus pares. Tantos artistas, que se acostumaram à segurança de saltar com rede e agora temem qualquer coisa diferente de inócuas turnês. Tantas eminências, sem qualquer ouvido para o ritmo e a sonoridade do idioma. Tantos ativistas, que falam em nome daqueles que jamais lhes conferiram procuração, a calar a novidade de ferro e sal que podia estar na boca dos que ainda não venceram o silêncio. Tantos jurisconsultos, para os quais a letra da lei vale, naturalmente, mais do que a letra do verso. Tantos jornalistas, que acreditam que só pode haver fato nos fatos e nenhuma poesia. Tantos professores, a desencorajar seus alunos a olhar para o mundo através da lente do poema, confinando-os à homogeneidade da prosa por gosto ou falta de preparo.
Tantos inimigos. Tantas vitórias aparentes.
À poesia, agrada-lhe a luta corpo a corpo, a que se trava à noite, quando todas as luzes, exceto as de cabeceira, se apagam. Por isso, mesmo unidos, cedo ou tarde, cairão todos os estandartes, suavizados pela lira, um a um, derrotados em alcovas perfumadas, nas quais Safo e seus seguidores seguirão celebrando a vida transfiguradamente viva em redimidos caracteres.