O ritual de despedida de alguém com os dias contados por uma doença terminal é, no cinema, um tema de forte conexão emocional com o espectador. Mas é grande também o risco de se ver boas intenções naufragarem nas lágrimas do sentimentalismo desmedido. O diretor e roteirista catalão Cesc Gay consegue evitar, em Truman, as armadilhas recorrentes nesse modelo de enredo melodramático ao fazer da morte gatilho para celebrar a vida e a amizade – com melancolia, por certo, mas sem abrir mão de graça e ternura.
Truman, em cartaz nos cinemas, é uma coprodução entre Espanha e Argentina que reúne dois grandes atores de cada bandeira e a eles deve a eficiência da sua dramaturgia. Javier Cámara vive Tomás, espanhol que deixa mulher e filhos no Canadá para voltar a Madri, onde seu melhor amigo, Julian, argentino interpretado por Ricardo Darín, acaba de tomar uma decisão radical: interromper o tratamento contra o câncer que se espalha pelo corpo.
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Tomás está ali para dar assistência afetiva e financeira a Julian, ator há muitos anos radicado na cidade que decide encarar a reta final com algumas missões a cumprir: seguir atuando numa montagem teatral de Ligações Perigosas, divertir-se nos bares até o amanhecer, despedir-se do filho que mora em Amsterdã e, prioridade máxima, encontrar um novo lar para seu cachorro, o Truman do título.
A fidelidade canina que ilustra o afeto genuíno entre homem e animal abre-se aqui à representação simbólica do relacionamento de Tomás e Julian. São tipos que amalgamam suas personalidades antagônicas na inabalável amizade que os mantêm conectados mesmo separados por um oceano.
Cámara e Darín, parceiros de Cesc Cay em O que os Homens Falam (2012), brilham sublinhando as nuances dramáticas e cômicas pelas quais transitam seus personagens. Com seu maior protagonismo, o astro argentino alcança em Truman o registro que críticos de cinema de seu país costumam ressaltar: transcende à representação para mostrar, mais que um robusto tipo ficcional, um ser humano bastante crível em suas complexidades. Talento que foi reconhecido na consagração de Truman com cinco prêmios Goya, o mais importante do cinema hispano-americano: melhor filme, direção, ator (Darín), ator coadjuvante (Cámara) e roteiro original.
Ricardo Darín, um ator intercontinental
Graças ao azeitado sistema de coprodução entre Argentina e Espanha, o ator portenho Ricardo Darín é hoje um nome reconhecido em toda a América Latina e também no território espanhol. Nesta mesma quinta-feira em que Truman estreou Brasil, entrou em cartaz na Argentina Kóblic, mais recente filme estrelado por ele. Com direção de Sebastián Borensztein, que trabalhou com Darín em Um Conto Chinês, o longa ambientado em 1977 apresenta o ator vivendo um piloto que deserta das forças armadas argentinas após se recusar a participar de um dos chamados voos da morte – nos quais opositores da ditadura militar eram lançados no Rio da Prata.
Darín está agora na Espanha filmando, nos Pireneus, Nieve Negra, de Martin Hodara, no qual interpreta um homem que decidiu viver isolado após matar acidentalmente seu irmão durante uma caçada. O ator tem pela frente anda o seriado de TV policial produzido na Colômbia Blanco o Negro, Nunca Gris.