Salim Miguel dedicou sua vida à arte de ler, de escrever e de produzir cultura. Nos mais de 50 anos de criação literária, projetou seu nome para muito além das fronteiras do nosso Estado, através do romance, do conto, da crônica e do ensaio literário. Autor de mais de 30 livros, chegou a ser homenageado com a mais importante honraria da Academia Brasileira de Letras: o Prêmio Machado de Assis, pelo conjunto de sua obra.
– O prêmio foi muito mais do que eu poderia esperar. Foi um dos momentos mais importantes da minha vida. Para um filho de imigrante, que sofreu na carne preconceitos, receber o Prêmio Machado de Assis, na casa de Machado de Assis, no Rio de Janeiro, é muito mais do que eu poderia sonhar, embora eu sonhasse com isso, não posso dizer que não. E se os acadêmicos decidiram que eu merecia o prêmio, quem sou eu para contradizê-los.
Machado de Assis era sua referência. Foi o primeiro nome que conheceu na literatura.
– Eu tinha nove anos, estava terminando o primeiro ano do primário em Biguaçu e, de repente, eu abro e está lá, A Carolina, de Machado de Assis. Esse soneto me marcou tanto que nunca mais esqueci o primeiro quarteto. Logo em seguida, conheci um segundo escritor, Cruz e Sousa. Um mestiço e outro negro.
Salim nunca teve a vaidade de querer disputar uma cadeira na Associação Brasileira de Letras. Dizia que a única entidade a que pertenceu, durante toda a vida, foi ao Sindicato dos Jornalistas Profissionais, "que é a minha categoria. Mais absolutamente nada."
Ainda criança, na escola
A família de Salim Miguel imigrou para o Brasil em 1927, quando ele tinha três anos. Naquela época, o Líbano era um protetorado da França, e toda a documentação da família estava em francês. O pai chamava-se José Michel, mas a família tinha um sobrenome complicado (algo como "Janahar", contou o escritor, uma vez). Então, quando chegaram ao Brasil, o pai de Salim resolveu que iria ser José Miguel. E o sobrenome ficou.
A família morava em Biguaçu. Salim entrou para o grupo escolar em 1932. No fim desse primeiro ano, a professora bateu palmas, chamou a atenção dos alunos e falou assim, apontando para o futuro escritor: "Vejam só, ele chegou ontem aqui, mal sabia algumas palavras em português, misturadas com árabe e alemão, e agora, no fim do ano, já fala, lê e escreve melhor do que vocês. E é turco. Vocês não se envergonham?"
Depois, o chamou na frente de toda a turma e deu a ele um tinteiro, que até hoje está guardado entre seus "tesouros" (veja no texto abaixo).
Tesouros guardados
O apartamento da Carvoeira, onde por muitos anos morou com a companheira de vida e de profissão, Eglê Malheiros, abrigava muitos livros. Afinal, o escritor sempre foi um apaixonado por livro, um leitor que precisaria dispor de 50 a cem horas por dia para apreciar a vastíssima produção literária que nunca cessou de multiplicar-se. Além de livros, guardou em casa tesouros garimpados durante toda a vida:
- Muitas pinturas feitas por amigos queridos, como o saudoso Hassis, Tércio da Gama e Eli Heil
- Um tinteiro que ele recebeu da professora do primário, em 1932, ao ser o primeiro da classe ao final de um ano em que ele começou misturando palavras de árabe e alemão com o português
- Um retângulo de veludo azul com o garfo e a faca com os quais se preparava para jantar, no dia 20 de maio de 1964, quando foi solto do quartel da PM (da Rua Nereu Ramos) na Capital, onde estava preso desde o 1 º de abril, após o golpe militar que jogou o país numa ditadura por mais de 20 anos
- A máquina de escrever que ganhou em 1947 do pai, o comerciante José Miguel, protagonista de Nur na Escuridão (livro que escreveu em 1999).
No final de 2013 o casal doou todo esse rico acervo para o Instituto de Documentação e Investigação em Ciências Humanas da Udesc. O local foi batizado Espaço Eglê Malheiros & Salim Miguel e abriga milhares de exemplares de livros e revistas, além de documentos e objetos pessoais (máquina de escrever, medalhas, placas, certificados etc). Os títulos dos livros em sua maioria são da área de letras, literatura, cinema e história de Santa Catariana do Brasil. O Espaço é aberto a comunidade e funciona de segunda a sexta, das 8h às 17h.
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