Vencedor do Oscar de melhor filme neste ano, Spotlight – Segredos Revelados encenou a investigação jornalística que abalou a Igreja Católica denunciando abusos sexuais cometidos por padres. Lançado na mesma temporada, mas trilhando um caminho mais discreto, Conspiração e Poder lembra outro rumoroso episódio em que a imprensa teve papel protagonista no enfrentamento contra uma sólida instituição – no caso, o governo dos EUA. O filme que estreia nos cinemas, porém, mostra que a queda de braço entre os que querem expor e os que buscam esconder nem sempre tem como vencedor o lado pelo qual parece justo torcer.
Estreia como diretor do roteirista James Vanderbilt, Conspiração e Poder recria um episódio ocorrido em 2004, durante a campanha presidencial em que o republicano George W. Bush buscava a reeleição. A produtora da rede de TV CBS Mary Mapes (vivida por Cate Blanchett) farejava pistas para a suspeita de que Bush teria feito uso de contatos políticos para não ir ao front na Guerra do Vietnã, em 1968 – seu pai, George Bush, já era uma figura influente no Texas (seria presidente dos EUA entre 1989 e 1993). Bush filho acabou servindo como piloto da Guarda Nacional, posto do qual, entre 1972 e 73, teria se ausentado irregularmente.
Mary, autora do livro biográfico que inspirou o filme, estava em alta na premiada carreira. No começo de 2004, ela havia revelado no programa 60 Minutes o caso das torturas de prisioneiros por militares americanos em Abu Ghraib, no Iraque. Trabalhava há 15 anos com Dan Rather (Robert Redford), principal âncora da CBS e um dos mais conhecidos e laureados jornalistas americanos, tendo ajudado a consolidar a reportagem investigativa na televisão.
O fervor patriótico pós-11 de Setembro, que lançou os EUA à guerra, e o clima eleitoral não eram favoráveis a esse tipo de denúncia. Mas Mary, à frente de uma equipe de repórteres e um consultor militar, obteve documentos e depoimentos que sustentavam as suspeitas. Eles correram contra o relógio para levar a reportagem ao ar numa brecha que se abriu em tempo de evitar a acusação, pelos republicanos, de ser uma cartada decisiva a favor da campanha do candidato democrata John Kerry.
Rather apresentou a denúncia no 60 Minutes de 8 de setembro de 2004, com repercussão bombástica e reação de igual medida pelas forças alinhadas com a Casa Branca. Uma campanha ganhou corpo na internet, com sites e blogs favoráveis a Bush, apresentando argumentos que colocavam em suspeita pontos da reportagem. A CBS foi acusada de usar documentos forjados por desafetos do presidente e fontes pouco confiáveis – os papéis que os jornalistas tinham em mãos eram cópias passíveis de contestação, apesar dos fortes indícios da sua veracidade e dos registros reunidos pela apuração. Para complicar ainda mais a situação dos jornalistas, muitos entrevistados voltaram atrás em suas declarações. A dificuldade para comprovar a denúncia legalmente assustou a CBS e colocou Mary e Rather na berlinda.
A quem gosta do tema, Conspiração e Poder é rico na exposição dos meandros de uma cobertura jornalística, sublinhando as técnicas de apuração e checagem de dados, os procedimentos éticos envolvidos e a enorme pressão imposta por diferentes frentes. Também ilumina um ponto de virada do jornalismo, com a entrada em cena da internet para ampliar – ou contestar, como no caso – junto à opinião pública as notícias dos veículos tradicionais que antes reinavam soberanos nos casos de grande repercussão.
A destacar ainda as atuações de Cate Blanchett e Robert Redford. Ele com a sobriedade característica colocada a serviço do personagem. E ela com uma performance bem mais rica e vigorosa da que se viu em Carol, pela qual foi indicada ao Oscar.
Jornalismo na ribalta
Exibido pela rede CBS desde 1968, o 60 Minutes consagrou-se como um dos mais prestigiados programas jornalísticos da TV dos Estados Unidos levando ao ar grandes reportagens investigativas. Exibida aos domingos, a atração fez o jornalismo ocupar um espaço no horário nobre até então voltado ao entretenimento.
Ganhador de mais de cem prêmios Emmy, o 60 Minutes exibiu reportagens históricas que acompanharam da Guerra do Vietnã às denúncias de abusos de militares americanos na Guerra do Iraque. Denunciou operações secretas da CIA com tráfico de cocaína e casos de abusos sexuais em universidades. Uma de suas reportagens mais controversas, exibida em 1995, sobre as maquinações da indústria tabagista para viciar os consumidores com o uso de aditivos químicos nos cigarros, inspirou o filme O Informante (1999), de Michael Mann, com Russell Crowe e Al Pacino.
Conspiração e Poder
De James Vanderbilt
Drama, Austrália/EUA, 2015, 125min, 12 anos.
Em cartaz nos cinemas.
Cotação: 3 estrelas (de 5).