Marina Person é uma cria dos anos 1980. Seu primeiro filme de ficção, Califórnia, recupera memórias da época da explosão do rock brasileiro, da abertura política lenta e gradual, do figurino surfwear, da liberdade sexual e do fantasma da aids, das cores alegres da new wave e da escuridão entediado dos darks. A diretora garante, no entanto, que seu longa não é autobiográfico - ainda que a protagonista Estela tenha muito da realizadora Marina. Zero Hora conversou por telefone com a cineasta e atriz - que em 2016 estreia como protagonista no filme Canção da Volta, ao lado de João Miguel, dirigida pelo marido Gustavo Rosa de Moura.
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Como surgiu o projeto de Califórnia?
Eu tenho um caderninho aqui com anotações que comecei a fazer em 2004. Queria falar sobre como essa geração dos anos 1980, filha da geração dos 1960, da emancipação da mulher e da liberação sexual, enfrentou a chegada da aids. Também me interessava o clima do fim da ditadura no Brasil e o surgimento de bandas de rock aqui e lá fora. Eu passei mais de um ano me reunindo com amigas, colegas de escola, lembrando e dividindo histórias da época. Chamei então uma roteirista, a Mariana Verissimo, que fez os primeiros tratamentos do roteiro. Havia ainda outras histórias paralelas, mas, por uma questão de adaptação ao orçamento, a trama ficou restrita ao que a Estela presencia.
Um dos acertos do filme é o elenco. Como foi a escolha dos jovens atores?
Eu queria muito que os atores fossem da idade dos personagens. Por isso, acabei testando os candidatos muito em cima da hora de filmar, apenas alguns meses antes do começo da produção. Testamos quase 300 jovens, e eu tive muita sorte de encontrar sobretudo a Clara Gallo e o Caio Horowicz. Eram papéis difíceis, a Clara leva o filme inteiro com ela. Se ela não funcionasse, o filme desandaria. O Caio também: se ele não tivesse aquela aura de mistério, seria apenas um menino esquisito. Ambos são estreantes, a Clara não tinha feito nada ainda, e o Caio só tinha participado do seriado Família Imperial, dirigido pelo Cao Hamburger.
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A Estela é inspirada em você?
Quando a gente fez os testes, havia também meninas ruivas e loiras. A nossa segunda opção era uma garota ruiva. Quando a Clara fez os testes, era bem diferente de como ela aparece no filme. Ela tinha uns dreadlocks enormes, que iam até a cintura. Daí a Clara cortou o cabelo, e eu vi que ela ficou com o corte exatamente igual ao que eu usava quando tinha 15 anos. Foi muita coincidência!
A trilha sonora é essencial em Califórnia. Além de bandas brasileiras como Titãs, Paralamas, Metrô e Kid Abelha, o filme inclui canções de nomes internacionais como The Cure, David Bowie, New Order, Echo & the Bunnymen e Joy Division. Fale sobre essas escolhas.
Não há trilha incidental no filme. Além da direção de arte, as músicas também são uma maneira de trazer uma época. Queria fazer uma seleção de canções que não ficaram datadas, mas que têm a capacidade de remeter aos anos 1980. Tínhamos uma lista inicial de 50 músicas, a partir da qual começamos a tentar as liberações. Ficaram no final 15 músicas, sendo que oito são estrangeiras. Foi uma tremenda burocracia para liberar os temas internacionais. As canções mais importantes do filme para mim são Caterpillar, música do Cure que fala de transformação, Killing an Arab, também do Cure, e Five Years, do David Bowie. As três são referências autobiográficas. Acabei lendo na adolescência O Estrangeiro, do Albert Camus, livro que inspirou Killing an Arab, porque era apaixonada por um cara que me deu essa dica e eu queria impressioná-lo.
Califórnia
De Marina Person
Drama, Brasil, 90min, 14 anos.
Cotação:4