Passo Fundo não receberá neste ano as grandes estruturas de lona nem os milhares de inscritos que costumavam frequentar a Jornada Nacional de Literatura, mas nem por isso 2015 vai passar em branco para os livros na cidade. Nesta segunda-feira tem início aJornada em Ação: 13º Seminário Internacional de Pesquisa em Leitura e Patrimônio Cultural, evento da Universidade de Passo Fundo (UPF) em parceria com o Itaú Cultural que marca a resistência da professora Tânia Rösing, idealizadora da Jornada, às adversidades econômicas e administrativas que inviabilizaram a 16ª edição, marcada para ser realizada neste mês.
Entre os convidados do seminário, estão nomes como Ignácio de Loyola Brandão, Lucia Santaella e o francês Roger Chartier. São cerca de 600 inscritos, número bem mais modesto do que os 28 mil da Jornada de 2013, mas que garante lotação total para os debates. O seminário, que costumava ocorrer dentro da programação oficial da Jornada, foi viabilizado a partir da aproximação da UPF e do Itaú Cultural, logo após a notícia do cancelamento da edição deste ano e da comoção provocada na comunidade cultural.
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- Nosso trabalho se dirige a alunos e professores. Quando o Itaú Cultural acenou com a possibilidade de salvar algo do incêndio, respondi que queria fazer um encontro que desse sustentação teórica e possibilitasse a discussão dos vários modos de ler - conta Tânia a ZH.
Novo Formato será definido em março
Afastada oficialmente da coordenação da Jornada pela reitoria da UPF desde maio deste ano, Tânia liderou o "circo das letras" por mais de três décadas, mas não tem interesse em discutir a próxima edição junto aos atuais organizadores, que podem repensar as dimensões do evento.
- Houve um rompimento. Se as pessoas dizem que as ideias construídas ao longo das Jornadas não valem mais, que o modelo é exagerado e a magnitude, indefensável, como vou voltar a participar? Não acredito em coisa malfeita. Acredito no que foi construído com ideias, sugestões, críticas e avaliações _ defende Tânia.
Atual coordenadora da Jornada, a professora Fabiane Verardi Burlamaque garante que o evento voltará em 2017, mas admite que muita coisa poderá mudar na organização. Atualmente, ela e seu grupo estão se dedicando a pesquisas junto ao público, a apoiadores e às comunidades acadêmica e cultural para repensar o evento. A partir de março, a equipe passará a delinear o projeto.
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- Até o momento, não sabemos qual será o tamanho viável da Jornada nem se seguirá no mesmo formato, com as atividades sob a grande lona - diz Fabiane.
Para Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural, a Jornada tem como diferencial o envolvimento com escolas públicas antes de o evento acontecer, para que os alunos cheguem preparados, depois de ter lido as obras dos autores que estarão presentes:
- Eventos vão e vêm. Mas um projeto como esse tem perenidade e gera um legado inegável. Foge dos modelos convencionais das festas literárias.
Fabiane garante que o envolvimento prévio das escolas está assegurado para a próxima edição:
- Certamente isso é algo que não será mudado por nós - promete a professora.
A Jornada em Ação seguirá até quinta-feira em Passo Fundo, com inscrições já encerradas - as atrações estão disponíveis em upf.br/jornadaseminarioleitura.
O evento também promoverá debates em São Paulo nesta quinta, na sede do Itaú Cultural.
ENTREVISTA: Tânia Rösing, idealizado da Jornada Nacional de Literatura
A senhora liderou a Jornada por 34 anos. Como avalia a nova coordenação do evento?
Não sei, pois não estou participando. Estou fora e assim continuarei. Agora, uma coisa fica clara para todos: não se faz cultura apenas com ideias. Cultura se faz com dinheiro. Não se pode abandonar um modelo de evento apenas para diminuir custos. Não é assim que se faz cultura ou se promove educação.
É melhor fazer um evento com orçamento menor do que não fazê-lo?
Isso é coisa de quem não pensa, ou de quem pensa pouco sério. Se quero dar o melhor de mim para algo, devo oferecer todo o meu esforço, e não só parte dele. E esse é um esforço para um grande universo de alunos e professores. Fazer algo só para constar é uma irresponsabilidade. Vou continuar batalhando em diferentes frentes, mas sempre sustentada teoricamente, fazendo uma discussão para resgatar a história da leitura e projetar novos modos de ler.
O seminário Jornada em Ação é um modo de continuar essa batalha?
Nós estamos trazendo um elenco de primeira grandeza para que os inscritos aproveitem. Inclusive muitas leituras foram feitas previamente, mantendo a metodologia da Jornada. Obras de todos os participantes serão debatidas, mostrando mais uma vez que a metodologia da leitura prévia precisa ser observada e respeitada.
ENTENDA: A história do cancelamento
-Em 20 de maio, a professora Tânia Rösing declarou à imprensa que a Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo seria cancelada em 2015 por falta de recursos. O anúncio teve grande repercussão no meio cultural.
-Cinco dias depois, os escritores Fabricio Carpinejar e Mario Corso começaram uma campanha de financiamento coletivo para captar doações e viabilizar a Jornada. A iniciativa, no entanto, durou pouco tempo, já que a Universidade de Passo Fundo (UPF) reiterou o cancelamento.
-No dia 2 de junho, a UPF anunciou a saída de Tânia Rösing da coordenação da Jornada. Em entrevista a ZH, Tânia afirmou que sua saída teria sido motivada pelo anúncio antecipado do cancelamento, sem anuência da universidade. Em nota, a UPF afirmou que "a alternância nas coordenações é prática habitual" da instituição.
Confira alguns dos participantes do Jornada em Ação:
Roger Chartier - O intelectual francês é uma das mais importantes vozes no debate sobre a história do livro. Além de viajar pelo mundo proferindo palestras, é professor de universidades de Paris e da Pensilvânia. Acompanhado da mulher Anne-Marie, especialista em história do ensino e da leitura, Chartier faz nestas segunda e terça-feira encontro com mestrandos e doutorandos da UPF e participa de conferência nesta quarta, às 19h30min.
Lucia Santaella - Uma das principais teóricas da semiótica no Brasil, a professora paulista já publicou mais de 40 livros, além de centenas de artigos em jornais e revistas especializadas nacionais e internacionais, recebendo o prêmio Jabuti por quatro vezes. Ela estará em Passo Fundo nesta quinta-feira, às 14h, para participar do debate "Leituras móveis, leitores ubíquos ", ao lado do professor Chico Marinho, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Ignácio de Loyola Brandão - Escritor com mais de 30 livros publicados, entre eles os romances Zero (1975) e Não Verás País Nenhum (1981), Loyola Brandão é também coordenador de debates das Jornadas Literárias de Passo Fundo desde 1988. Nesta quinta-feira, às 17h, o autor será homenageado pela Academia Passo-Fundense de Letras em solenidade, além de participar de bate-papo, às 19h30min.
Confira locais e programação completa em upf.br/jornadaseminarioleitura.