Usar dos conflitos de um idiossincrático ambiente familiar para personificar a surdez coletiva das relações cotidianas. Esse foi o mote da dramaturga britânica Nina Raine para escrever a perturbadora e divertida Tribos. Com Antonio Fagundes e grande elenco, a peça chega a Santa Maria para duas sessões com ingressos esgotados. Ela será encenada nesta quinta-feira, às 20h, no Theatro Treze de Maio, com reapresentação às 22h, no mesmo local. O espetáculo contará com intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras) que traduzirá os diálogos do texto para surdos.
Filho de Antonio Fagundes fala sobre espetáculo que encena com o pai em Santa Maria
Montada sem incentivos fiscais ou parcerias, Tribos estreou em setembro de 2013. Após 11 meses em cartaz no Teatro Tuca, em São Paulo, a peça caiu na estrada, sob direção de Ulysses Cruz. A trama conta a história de Billy, um rapaz surdo interpretado por Bruno Fagundes. O pai do menino é Christopher (Fagundes), um professor culto que não admite a surdez do filho. Beth (Eliete Cigarini) é a mãe que, obrigada pelo marido, ensina Billy a ler lábios. A excêntrica família é completada pelos demais filhos do casal: Daniel (Guilherme Magon), um rapaz que ouve vozes estranhas e Ruth (Maíra Dvorek), uma cantora de ópera em pubs.
A história toma um rumo inesperado quando Billy se apaixona por Sylvia (Arieta Corrêa), uma garota que está ficando surda. Ao ensinar a língua dos sinais ao namorado, a jovem desfaz a forma de comunicação instituída por Christopher. Isso desestabiliza o já instável núcleo familiar. Estruturado em nove cenas, com diálogos afiados e repletos de acidez, o texto apresenta uma metafórica reflexão sobre surdez universal, que afeta as relações cotidianas.
- Vivemos na era da comunicação, da informação, mas nunca fomos tão mudos e cegos em relação a uns aos outros e a não aceitação das diferenças. O preconceito, a intolerância e a incomunicabilidade são temas paralelos que a Nina Raine jogou no texto dela e que o espetáculo mantém, fazendo com que ele seja profundamente atual - comenta Fagundes, em entrevista por Whatsapp, que você pode conferir, na íntegra, no site do "Diário."
A cenografia composta por um piano de cauda, uma mesa com design moderno e luz suave, somada aos tons escuros do figurino assinado por Alexandre Herchcovitch, contribuiu para o ar de atualidade do texto. Com humor inteligente e abrindo mão de malabarismos cênicos, os atores levam o público, riso após riso, a um inevitável estado de reflexão. Não por acaso, o elenco apelidou o espetáculo de "comédia perversa".
- A gente chama a peça de comédia perversa porque esses temas todos são analisados em profundidade, mas, sempre, com um toque de humor muito forte. A plateia se diverte bastante, mas com aquela sensação de riso ardido, porque os temas são muito sérios - avalia Fagundes.
Desconstruindo preconceitos
Bruno, que já havia contracenado com o pai na comédia dramática Vermelho, de 2012, acredita no fundamental papel da arte, especialmente o teatro, para desconstruir preconceitos.
- Vejo tanta gente descartando opiniões infundadas na internet, mas ninguém realmente parando para refletir a respeito, ouvindo uma segunda opinião. Ser contrariado virou ofensa. No teatro, não queremos certezas, queremos dúvidas, abrir discussões e propor reflexão. Talvez, seja de teatro que o mundo precise - conclui Bruno.
Sem investimento em publicidade e usando do velho boca a boca como marketing, Tribos parece funcionar, acima de tudo, por sua dramaturgia impecavelmente sedutora. E como diz o experimentado Antonio Fagundes, "bom texto de teatro é aquele que faz o público pensar, pelo menos cinco minutos, até o estacionamento".
Tribos
Direção: Ulysses Cruz
Texto: Nina Raine
Com: Antonio Fagundes e grande elenco
Quando: quinta-feira, às 20h e 22h
Classificação: 14 anos
Onde: Theatro Treze de Maio (Praça Saldanha Marinho, s/nº) Fone: (55) 3028-0909
Quanto: esgotado