Esperava-se que uma escultura de madeira da cabeça de um homem grandioso, cuja boca escancarada é recheada por um plugue - uma obra de arte de protesto chinesa de mais de 30 anos atrás - fosse ser a atração principal de uma retrospectiva realizada aqui.
O impressionante rosto, chamado de "Silêncio", nasceu como um cri de coeur contra a censura do período seguinte à Revolução Cultural na China. Foi exposto brevemente durante uma temporada artística em Pequim, em 1979 e 1980, antes de ser proibido.
Ainda hoje, diz o criador da obra, Wang Keping, que vive no exílio na França, a sua escultura mais marcante ainda chama muita atenção. Foi notória a ausência de "Silêncio" da exposição de suas obras em seus anos no exterior, no Centro Ullens de Arte Contemporânea no badalado distrito artístico de Dashanzi, em Pequim.
- Se a escultura estivesse na exposição, não haveria mais exposição - , disse Wang enquanto mostrava a um visitante dezenas de esculturas abstratas de madeira escura, algumas deles insinuando o corpo de homens e mulheres, feitos em seu estúdio nos arredores de Paris.
Essas peças mais recentes, incluindo duas esculturas altas e escuras que lembram claramente, em termos de forma e estilo, as cabeças das estátuas da Ilha de Páscoa, se mostraram aceitáveis para a Secretaria Municipal de Cultura de Pequim. A agência tem que verificar com antecedência o número e o tema de obras de arte importadas para exposições.
As autoridades chinesas nunca tiveram de fato uma oportunidade de avaliar "Silêncio" novamente.
O Centro Ullens entendeu que a atual repressão à livre expressão na China - mais óbvia nas detenções de usuários de redes chinesas de microblogging nos últimos meses - fez com que aprovação de "Silêncio" se tornasse improvável, disse o diretor do centro, Philip Tinari. A exposição inteira teria sido colocada em risco se "Silêncio" tivesse sido submetida à aprovação, disse ele.
Da mesma forma, os organizadores de uma exposição atual das obras de Andy Warhol na Academia Central de Belas Artes de Pequim disseram ter decidido com antecedência que não incluiriam o conhecido Mao de Warhol na mostra.
Wang tem um histórico comunista ilustre. Seu era pai escritor e sua mãe era atriz, sendo que ambos foram favorecidos pelo partido. Deste ponto de vista, ele capta de maneira aguda as mudanças na atmosfera política da China, e avalia o contexto atual como mais deprimente do que os dias de glória, quando ele liderou um movimento de arte de vanguarda e marchou nas ruas carregando uma faixa que dizia "Exige-se liberdade artística".
- Uma grande diferença entre os dias de hoje e aquela época é que em 1979 e 1980, os artistas realmente acreditavam que uma grande mudança aconteceria na sociedade - , disse ele. - Hoje em dia, os artistas acreditam que os próximos 20 ou 30 anos não trarão mudança alguma. Os artistas não acreditam que têm força para trazer mudanças. Vivem confortavelmente, mas sentem que não têm nenhuma liberdade de expressão.-
No outono de 1979, Wang, então um jovem escultor de 30 anos, foi o líder de um grupo ousado de artistas que detectou uma leve melhoria na atmosfera política após os horrores da Revolução Cultural, um período em que o realismo social era a única forma de arte permitida.
Com cerca de vinte amigos - muitos dos quais, como ele, autodidatas - Wang organizou uma exposição de arte improvisada e ilegal em setembro de 1979, na área externa do Museu Nacional de Arte da China, que ficou marcada nos anais da arte chinesa moderna, como mostra do grupo conhecido como "Estrelas".
Os artistas colocaram os quadros em uma grade de ferro e penduraram alguns em árvores, e Wang amarrou suas esculturas na parte de cima da cerca.
Fotografias mostram curiosos, vestidos com ternos monótonos ao estilo de Mao, com um homem com óculos de sol chamativos examinando atentamente as pinturas, xilogravuras e esculturas. Houve desentendimentos com a polícia, mas os diretores do museu na época apoiaram os artistas.
Em 1º de Outubro de 1979 - o Dia Nacional - Wang liderou uma manifestação de cerca de mil manifestantes que acabou com discursos nas escadas do edifício do comitê do partido em Pequim.
Um mês depois, os artistas convenceram as autoridades a mudarem a exposição para um lugar menos secreto, no Parque Beihai, que era o maior de Pequim na época. O diretor do escritório do The New York Times em Pequim, Fox Butterfield, escreveu que as "esculturas descaradamente políticas, muitas vezes grotescas" de Wang tinham "tomado conta da exposição."
Em agosto de 1980, os artistas conseguiram organizar uma exposição no interior das salas do Museu Nacional. Nos 18 dias da exposição, um número surpreendente de visitantes apareceu: 80 mil.
No entanto, logo outro revés político tomou conta de Pequim, e a fugaz liberdade se foi. Wang se casou com uma professora de francês da Universidade de Pequim, Catherine Dezaly, e se mudou para a França em 1984, levando com ele "Silêncio", uma escultura pouco lisonjeira de Mao, chamada "Ídolo" e dezenas de outras peças radicais. Mais ou menos ao mesmo tempo, o artista dissidente Ai Weiwei, hoje famoso, jovem membro do grupo Estrelas, se mudou para Nova York.
Desde então, o entusiasmo se dissipou, disse Wang. "Nós sentimos naqueles dias que algumas pessoas do Partido Comunista iriam nos apoiar", lembrou. "O controle sobre as classes mais baixas não era tão rígido."
Naquele período, o governo buscava investimentos estrangeiros e se preocupava, pelo menos um pouco, com a repreensão do mundo exterior.
- Agora eles não precisam de aprovação externa; agora eles não têm medo- , disse ele. - Se eles tivessem medo, não iriam fazer coisas estúpidas como prender Ai Weiwei e reprender as pessoas que expressam críticas ao governo na internet.-
À medida que a abertura de sua exposição atual se aproximava, Wang se sentiu tentado, contou ele, a levar as esculturas "Silêncio" e "Ídolo" em sua bagagem no voo de Pequim para Paris. Por fim, foi convencido a não fazer isso. - Eu não queria trazer problemas para o Centro Ullens de Arte Contemporânea - , disse ele.
As duas peças foram expostas na Sociedade da Ásia, em Hong Kong, neste ano, em uma exposição de obras de arte da Revolução Cultural. Agora elas já estão de volta à sua casa na França, onde Wang as mantém em um banheiro, seguras contra roubos.
O que teria acontecido se ele tivesse ficado na China? - Minha vida seria muito melhor - , disse ele. - Eu teria um grande estúdio, um monte de assistentes, um motorista e empregadas. Os artistas chineses todos vivem muito confortavelmente, contanto que não se oponham ao governo. -
Cultura
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