Um conjunto de seis casas dos anos 1930 na Rua Luciana de Abreu, bairro Moinhos de Vento, pode ser demolido pela incorporadora Goldzstein. Essa foi a recente decisão da Justiça em um embate que já dura 10 anos. De um lado, a construtora. De outro, a Associação Moinhos Vive e o Ministério Público.
Muita coisa aconteceu na última década em Porto Alegre. Se nos detivermos nas boas, que sempre parecem menos numerosas que as ruins, certamente acabaremos falando do renascimento do Moinhos de Vento como um bairro de múltiplos usos, cheio de cafés, restaurantes e lojas de rua, onde as pessoas se deslocam de um ponto a outro a pé porque há muito o que ser visto e é agradável caminhar por ali. Quando eu era criança, o único atrativo que havia na Padre Chagas era uma padaria, fornecedora oficial de pão de cachorro-quente para meus aniversários, assim como daquelas chupetas vermelhas puro açúcar, há muito desaparecidas dos caixas dos mercadinhos.
Dizem que o porto-alegrense - e o brasileiro em geral - não dá valor para o patrimônio histórico, o que não o impede de ir a Buenos Aires, Paris, San Francisco e se maravilhar com a beleza das ruas. Pode chamar de sentimentalismo, mas nós não pegamos um avião para ver prédios envidraçados. Não fazemos turismo em Austin, Texas. Para falar a verdade, a maioria de nós tem um conceito muito parecido do que é belo e aconchegante em termos urbanísticos, e eu posso dar um exemplo sem precisar sair do Moinhos de Vento: vocês já repararam na quantidade de gente posando para fotos na praça do Dmae? Noivos, grávidas, meninas de 15 anos. Eu gostaria de saber se essas pessoas aceitariam um prédio da Goldzstein como pano de fundo.
Como eu disse, muita coisa mudou nos últimos anos, e eu espero não estar sendo otimista demais. Um prédio de poucos andares foi construído na Dinarte Ribeiro, preservando, na frente, a casa que já ocupava o lote. O mesmo aconteceu na Dr. Vale, onde um hotel se instalou sem pôr abaixo duas construções maravilhosas que certamente estão na memória afetiva de muitos de nós.
Quando classificamos o Moinhos de Vento como um bairro "charmoso", o que a publicidade, inclusive a do ramo imobiliário, parece fazer o tempo todo, nós estamos falando justamente dessas construções antigas. Usar o argumento de que o bairro é agradável e pitoresco, e, ao mesmo tempo, contribuir para a descaracterização irreversível desse lugar, vai muito além da contradição: é maldade e demonstra um profundo desrespeito com a memória da cidade.
A demolição ainda não aconteceu, e resignar-se com a decisão judicial parece a pior as opções. Essa cidade é nossa. Ontem e hoje. Esperemos que a prefeitura e a incorporadora tenham um momento de lucidez.
Opinião
Carol Bensimon: As casas da Luciana
Quando classificamos o Moinhos de Vento como um bairro "charmoso", o que a publicidade, inclusive a do ramo imobiliário, parece fazer o tempo todo, nós estamos falando justamente dessas construções antigas
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