Armindo Trevisan abre Adega Imaginária com uma dedicatória à esposa: "O amor vale a pena se a fidelidade dá a mão à paixão, e ambas percorrem o mesmo caminho".
Nas páginas seguintes, vai se tornando claro o tamanho desse desafio para quem, como ele, acredita que o corpo é polígamo e a alma é monógama, um embate que inspira muitos de seus sensuais poemas.
Prestes a completar 80 anos, no próximo dia 6, Trevisan celebra a ocasião com o lançamento de dois livros de poemas inéditos concentrados em um mesmo volume, de título duplo: Adega Imaginária seguido de O Relincho do Cavalo Adormecido. Hoje, às 19h, na Livraria Cultura, ele realiza a palestra Minhas Dívidas Literárias, com a participação de Luiz Coronel e de Maria Carpi. Às 20h, concede autógrafos.
A primeira parte da publicação, intitulada Adega Imaginária, é construída como um longo brinde ao sexo e ao amor. O brinde é feito com um cálice de vinho que, além de ser a bebida favorita do autor, traz o simbolismo da embriaguez do amor e dos rituais religiosos. Teólogo e cristão convicto, Trevisan acredita que a única maneira de resolver o embate entre corpo e alma, mantendo-se fiel no casamento, está na adoção de Deus. Mas seu Deus é versátil: habita um mosquito, a curva de uma mulher, o sussurro de um vento. Ele é perfeitamente compatível com o sexo, que nas páginas é descrito como uma experiência carnal e transcendental ao mesmo tempo.
- Para que ter vergonha de celebrar o que Deus não teve vergonha de criar? - questiona o autor de versos que fariam muitos padres ruborizar. - A minha poesia pode até desconcertar meus irmãos na fé porque ainda estão presos a esquemas, a categorias herdadas de um passado estreito, sentencioso, punitivo. Não é essa a minha visão do cristianismo. A minha visão parte de um ser que se revelou ao homem como homem, o Cristo. Não o imagino como ser transcendente perdido na vacuidade azulada do céu.
O livro que Trevisan lança agora foi escrito após uma gripe que obrigou o poeta e permanecer duas semanas em repouso e se defrontar com a idade:
- Cada década de idade me deu uma sensação de estar passando uma fronteira, com os 80 anos senti que vou ter que afrontar uma debilitação física que acompanha a idade, e, por outro lado, noto que a data também me dá uma espécie de acréscimo meditativo, reflexivo. Espero conservar a poesia e a lucidez até o fim da vida sem ficar rabugento com o mundo.
Trevisan descreve a poesia como "lucidez enternecida", definição que aparece na segunda parte do livro, O Relincho do Cavalo Adormecido. Nela, o autor coloca o copo de vinho de lado e usa a poesia para despertar o leitor de outro tipo de torpor, aquele causado pelo automatismo do cotidiano e pela passagem dos anos. A dedicatória desta parte é feita aos netos, para que nunca esqueçam a definição de Baudelaire dava à poesia: ela é infância reencontrada. Para Trevisan a frase tem significado literal, porque, como Jorge Furtado diz no prefácio, ele foi poeta antes de ser professor, teórico e ensaísta.
- É a pura verdade. Comecei a escrever poemas sem ninguém me dizer, me convidar, me empurrar pra isso. Comecei como uma criança que quando ia na igreja ouvia aquelas palavras mágicas da liturgia e se encantava - confirma Trevisan.
Nesta segunda parte, Trevisan volta seus olhos de poeta, agora inocentes e infantis, para situações corriqueiras como a cena descrita em Menino Dormindo, um poema finalizado após 30 anos de rascunhos, em que ele olha para um bebê e o imagina dormindo "como se ninguém jamais tivesse dormido neste mundo". É o próprio poeta que, aos 80 anos, mantém o fascínio de quem enxerga pela primeira vez.
Adega Imaginária
Armindo Trevisan
Poesia. Editora L&PM, 208 páginas, R$ 39.
Lançamento quarta, às 19h, com a palestra "Minhas dívidas literárias", seguida de sessão de autógrafos, às 20h, na Livraria Cultura do Shopping Bourbon Country (Túlio de Rose, 80).