Um dia após o encerramento do Festival Varilux, chega a Porto Alegre um forte candidato a filme francês do ano.
Com estreia nesta sexta-feira no Espaço Itaú 2 e no Guion Center 1, Depois de Maio revisita o fervo revolucionário juvenil da virada da década de 1960 para a de 70 com frescor, energia e sensualidade. E um punhado de reflexões profundas e atemporais sobre os dilemas entre engajamento coletivo e ambições individuais.
O longa tem a assinatura de Olivier Assayas, um dos grandes contadores de história do cinema contemporâneo, conhecido por, entre outros, Clean (2004), Horas de Verão (2008) e o monumental telefilme Carlos (2011).
Aos 58 anos, o cineasta resolveu revirar memórias pessoais em Depois de Maio. Gilles (Clément Métayer), o protagonista, é um alter ego seu: um estudante de 16 anos dividido entre a vocação artística (sua ambição individual) e a militância política (coletiva).
Assayas tinha os mesmos 16 anos em 1971, quando a trama se desenvolve - perto de Paris, conforme um letreiro inicial, e depois por Itália, Inglaterra e até no Nepal. É nesses países que ele e seus amigos circulam enquanto se debatem sobre o caminho a seguir.
A referência ao mês de maio, no título, tem a ver com 1968. Contudo, diferentemente de seus parentes próximos (que cabem entre A Chinesa, de Godard, e Os Sonhadores, de Bertolucci), o filme não examina o engajamento dos estudantes no calor da hora, e sim logo em seguida; antes, no entanto, de a atmosfera esfriar.
E o faz com grande competência, intercalando opções aparentemente contraditórias, mas que formam um conjunto bastante harmônico. Por exemplo: se a sequência inicial (que mostra os estudantes correndo da fúria policial) e a escolha dos atores (todos estreantes, exceto Lola Créton) indicam um flerte com o realismo, a reconstituição de época tem uma mise en scène muito elaborada, que lembra as cenas mais impressionantes de Carlos, também situadas nos anos 1970.
O uso da música é outro aspecto fundamental na reconstrução do espírito daquele tempo. A trilha sonora tem Nick Drake, Syd Barrett e, ao final, uma linda balada de Kevin Ayers (Decadence), sendo algumas canções executadas quase na íntegra, acompanhando a ação como se fossem comentários sobre aquilo que se vê.
O distanciamento de Assayas, de fato, faz a diferença: seu olhar atual sobre aqueles sonhos juvenis leva em conta o fato de que eles acabaram frustrados, porém, sem que isso implique na ideia de derrota ou, pior, desesperança. Vem daí muito do vigor de Depois de Maio.
Em um de seus vários grandes momentos, os militantes políticos com os quais Gilles viaja exibem um filme ideologizado sobre as relações de trabalho. Alguém da plateia questiona: "Já que o tema é revolucionário, a sintaxe também não deveria ser revolucionária?". A resposta, e todo o debate que se segue, são paliativos. A resposta definitiva do cineasta é o próprio Depois de Maio - que só foi realizado quatro décadas depois.
É como se Assayas resumisse, no seu próprio trabalho, os conflitos que assolam Gilles. É possível, sim, mudar o mundo, parece dizer. Mas antes é preciso encontrar seu lugar nele.
DEPOIS DE MAIO
(Après Mai)
De Olivier Assayas. Com Clément Métayer, Carole Combs, Lola Créton, Felix Armand e India Salvor Menuez.
Drama, França, 2012. Duração: 122 minutos. Classificação: 16 anos.
Estreia nesta sexta-feira no Espaço Itaú 2 e no Guion Center 1 (veja os endereços e os horários das sessões no roteiro de cinema na Agenda).
Cotação: 4 de 5 estrelas.