Yasmina Reza é uma dramaturga francesa com incursões pelo romance, pela direção de seus textos e, às vezes, até atua, tendo, também, dirigido um filme. Suas peças são montadas nos teatros privados com grande sucesso de público. Falando-se em teatro privado, na França, são os teatros que não perdem de vista o lucro, satisfazendo desta forma o que a indústria cultural identifica como a vontade/gosto do público. Aproveitando a vinda de Mãe Coragem e seus Filhos, poderia afirmar que, talvez, Brecht não gostasse muito de estar junto de Yasmina, nem eu.
Reafirmo algumas de minhas observações no texto publicado neste jornal, em junho, a propósito do filme Deus da Carnificina, de Roman Polanski (baseado na peça homônima que teve uma montagem apresentada terça e quarta no Porto Alegre Em Cena). A peça exibe alguns clichês da dramaturgia contemporânea, a saber: o texto de Yasmina é enxuto, alguns assuntos são apenas citados e não contribuem para o desenvolvimento da fábula, aliás, a fábula pouco importa (o que é uma forte característica do teatro contemporâneo).
Quando digo citados, é porque as informações são passadas pelas palavras dos personagens, nada acrescentando, a não ser para situar os personagens no mundo atual: Veronica preocupa-se com a fome na África; Alan é advogado que defende um laboratório farmacêutico inidôneo; Anete preocupa-se com a morte do hamster, assuntos que não são os temas da peça, mas mostram explicitamente ao leitor/espectador que a autora está atenta ao que se passa no mundo e é uma leitora de manchetes dos jornais.
Os personagens dramáticos não necessitam verbalizar quem são, mas agem e mostram, suas ações levam o espectador a conhecer quem são estes seres ficcionais que estão vivenciando determinadas situações na cena. No texto de Yasmina, acontece o contrário: há a necessidade da palavra. Outro elemento de modernidade (?) se encontra num dos temas da peça: a incomunicabilidade, quando as palavras são um veículo de mal-entendidos. Tema recorrente do teatro de Beckett, de Ionesco, dos filmes de Antonioni, das décadas de 1960, 70, do século passado.
Em Deus da Carnificina, a tensão entre os personagens aumenta e revela a crise conjugal e das relações interpessoais enfrentada pelos dois casais, comprovando que o homem, na sua natureza, carrega a violência. Em sua essência, o homem é um ser violento, um nada é suficiente para que o selvagem que habita em nós se manifeste desmanchando o verniz civilizado - esse é o verdadeiro tema da peça.
Não posso deixar de fazer referência, como contraponto, a um dos ensinamentos do mestre Brecht, que deu um novo rumo ao teatro francês ao apresentar Mãe Coragem em Paris, em 1954: o teatro deve mostrar o mundo como possível de modificação, e o homem não deve ser mostrado como algo acabado - o homem não é, ele se torna e se transforma.
Centrei meu comentário no texto, mostrando o meu desacordo com esse gênero de dramaturgia, o que não me impediu de admirar o espetáculo. Um diretor competente (Emílio de Mello); ótimos figurinos, cenário, iluminação, todos os elementos funcionando perfeitamente; elenco excelente, capaz de provocar risadas com um simples gesto, mostrando pleno domínio da cena e do tempo da comédia, permitem um divertimento garantido e despertam admiração pela competência no executar.
A plateia gostou, o gosto do público foi satisfeito, mas eu lamento que o excelente trabalho não seja utilizado na encenação de um texto mais consistente.