Uma das parcerias de maior sucesso da música brasileira — se não for a de maior sucesso — aconteceu entre os dois Carlos, Erasmo e Roberto. A dupla se conheceu ainda nos anos 1950, quando o Rei precisou da letra para a canção Hound Dog, sucesso na voz de Elvis Presley — e, sem internet naquela época, a dificuldade era enorme. Foi então que Arlênio Lívio, amigo em comum dos dois, tendo tocado em bandas com ambos, apresentou a Roberto um grande fã de Elvis, Erasmo.
A partir daí, a história da música brasileira ganha um de seus mais volumosos e ricos capítulos. A dupla descobriu que as suas paixões iam além de Elvis: ambos nascidos no ano de 1941 — Roberto em 19 de abril e Erasmo em 5 de junho —, eles também eram fãs de Bob Nelson, James Dean, Marlon Brando, Marilyn Monroe e, principalmente, torciam para o Vasco da Gama.
E foi em homenagem a Roberto — e a Carlos Imperial, seu agente no início da carreira — que, inclusive, o nascido Erasmo Esteves adotou o sobrenome Carlos. E essa história entre os dois amigos, que se estendeu por seis década, foi recheada de sucessos, colocando a dupla no panteão das grandes parcerias musicais da história mundial, de acordo com o jornalista e colunista de música em GZH Juarez Fonseca:
— As únicas comparações que a gente pode fazer dessa parceria de Roberto e Erasmo é com John Lennon e Paul McCartney e Mick Jagger e Keith Richards. Dificilmente, a gente vai ter uma parceria que tenha feito tanto sucesso na música brasileira e vendido tanto disco como essa do Roberto e do Erasmo.
Fonseca ressalta, ainda, que os dois tinham um pacto de, até o fim, assinarem juntos as músicas que Roberto gravava.
— Passado tanto tempo, a gente não sabe qual música é assinada pelos dois ou só por um deles. O Erasmo até tem algumas que não têm parceria com o Roberto, mas que são aquelas que se afastam do estilo que eles definiram, mas não tem nenhuma música do Roberto que não tenha a parceria com o Erasmo — recorda, destacando Café da Manhã, Namoradinha de Um Amigo Meu, As Curvas da Estrada de Santos e Quero que Vá Tudo Pro Inferno como alguns exemplos de sucesso da dupla.
Tremendão
Vale destacar que, antes de firmarem a parceria de sucesso e seguirem suas carreiras solo, Roberto e Erasmo fizeram parte de grupos musicais. Roberto, no começo da carreira, assim que chegou ao Rio de Janeiro, vindo de Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo, integrou a banda Os Sputniks, ao lado de Tim Maia e Arlênio Lívio, entre outros.
A banda se desfez devido a atritos entre Tim e Roberto, que tentava engatar uma carreira solo. Único remanescente, Arlênio, então, reuniu um novo grupo de artistas, entre eles, o carioca Erasmo, formando o grupo The Boys of Rock que, mais tarde, por sugestão do produtor Carlos Imperial, passou a se chamar The Snakes. Eles, inclusive, chegaram a acompanhar tanto Roberto quanto Tim em seus shows pelo Brasil. Foi nesta época em que a dupla icônica se conheceu.
Rafael Malenotti, líder da banda Acústicos e Valvulados e que idealizou o show A Tremenda Noite do Rei, em homenagem a Roberto e Erasmo, acredita que, a partir de agora, as suas apresentações serão ainda mais emotivas, visto que uma das metades partiu.
— Eles foram pioneiros em traduzir o que estava acontecendo fora do país para a nossa cultura, através da música. Além disso, nenhuma dupla retratou o amor com toda a sua plenitude como eles — reflete Malenotti, a quem Erasmo apelidou de Cebola, pois sempre que se encontravam, o gaúcho se debulhava em lágrimas.
De acordo com o músico, o seu top 3 de músicas que conseguem refletir a genialidade de Erasmo e Roberto são: Amigo, que traduz a amizade dos dois; É Preciso Saber Viver, que sintetiza a visão da dupla sobre a vida; e Detalhes, que reflete sobre a questão do amor. Malenotti ainda aponta que foi por causa do Tremendão que a Acústicos e Valvulados passou a cantar em português, dando o primeiro passo com Minha Fama de Mau.
E sobre a comparação de Erasmo e Roberto com Lennon e McCartney, Malenotti reflete:
— A diferença é que a dupla dos Beatles fez música junto por uma década. Erasmo e Roberto trabalharam juntos por seis décadas, o que torna essa história muito mais brilhante. E ainda tinham um pelo outro uma profunda amizade.
Além
Foi com o disco Splish Splash que Roberto estourou de vez, em 1963. A música que deu nome ao álbum era uma versão criada por Erasmo, a partir da canção original de B. Darin e J. Murray. E este foi o primeiro sucesso de vários que vieram na sequência, alinhados com o que o público jovem queria na época. Na sequência, chegaram hits como É Proibido Fumar, Não Quero Ver Você Triste e Calhambeque.
O sucesso conquistado por Roberto fez com que o artista fosse escolhido para apresentar o programa Jovem Guarda, na Record, em 1965. Ao seu lado, tinha Wanderléa e, claro, o próprio Erasmo. A atração foi campeã de audiência e marcou época. Reis do "iê-iê-iê", emplacando diversos hits no país, eles passam a abordar o romantismo a partir do final dos anos 1960.
Entre cerca de 200 sucessos criados pela dupla ao longo de décadas de parcerias, algo que Juarez Fonseca crava que dificilmente se verá novamente e um dos últimos trabalhos de Erasmo e Roberto foi Furdúncio, que integrou a trilha sonora da novela Salve Jorge, da TV Globo, em 2012.
E, ao final, certamente a música que sela essa história de 60 anos é a que diz "Você meu amigo de fé, meu irmão camarada / Amigo de tantos caminhos e tantas jornadas / Cabeça de homem, mas o coração de menino / Aquele que está do meu lado em qualquer caminhada / Me lembro de todas as lutas, meu bom companheiro / Você tantas vezes provou que é um grande guerreiro / O seu coração é uma casa de portas abertas / Amigo você é o mais certo das horas incertas".