Uma das mais talentosas intérpretes do samba contemporâneo, Roberta Sá não se contentou com a aclamação em seu quintal de origem: no disco Segunda Pele (2012), a potiguar radicada no Rio de Janeiro colocou sua bela voz a serviço de um repertório mais próximo da MPB com sotaque pop. O álbum manteve lá em cima a régua artística da cantora e compositora – mas Roberta quis voltar para seu aconchego no seguinte, Delírio (2015), trabalho em que se entregou outra vez ao samba, alternando composições inéditas com regravações. O reencontro com seu elemento ganhou registro ao vivo: gravado no Circo Voador, no Rio de Janeiro, no dia 21 de maio de 2016, o CD e DVD Delírio no Circo reúne canções que fazem parte da trajetória da cantora e composições do disco de estúdio.
O registro conta com duas participações especiais de primeira linha: Martinho da Vila e Moreno Veloso. Com o pai de Mart'nália, Roberta canta Amanhã É Sábado – composta pelo sambista especialmente para ela – e uma dobradinha com as antológicas Me Faz um Dengo e Disritmia.
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– O Martinho tinha me pedido um tema e eu disse que me interessava muito por crônicas do amor contemporâneo – lembra a artista a respeito de Amanhã É Sábado.
Já com o filho de Caetano Veloso, autor de Mais Alguém, sucesso na voz de Roberta, a nova diva divide os vocais em dois temas:
– Meu Novo Ilê, que abre o Delírio de estúdio, e Um Passo à Frente, que eu queria ter gravado e que marcou o início da nossa relação musical.
A ótima banda que acompanha a vocalista é formada por Alberto Continentino (baixo), Marcos Suzano e Paulinho Dias (percussão), Luis Barcelos (bandolim e cavaquinho) e Rodrigo Campello (direção musical, violão tenor e violão de sete cordas). O grupo inclui ainda os percussionistas Armando Marçal e Paulino Dias como músicos convidados.
O repertório inclui o delicioso samba Me Erra, de Adriana Calcanhotto ("Me erra / Que aquele tal de nosso amor / Já era"), Se For pra Mentir, parceria de Cézar Mendes e Arnaldo Antunes, e a pungente Covardia, de Ataulfo Alves e Mario Lago – samba transformado em fado pelo sensível arranjo de Rodrigo Campello. Roberta levanta a galera com temas irresistivelmente dançantes como Ah, Se Eu Vou (Lula Queiroga), Samba de Um Minuto (Rodrigo Maranhão), Cicatrizes (Miltinho e Paulo César Pinheiro), O Nego e Eu (João Cavalcanti) e Gostoso Veneno (Nei Lopes e Wilson Moreira) – um clássico na voz de Alcione. O retorno à casa do samba da cantora de 36 anos é em tom maior, com Boca em Boca, parceria de Roberta com Xande de Pilares, na qual a filha pródiga capitula já no primeiro verso: "É, meu amor, dessa vez eu voltei pra ficar".
Entrevista
O que mudou quando Delírio saiu do estúdio e foi para o palco?
O repertório do Delírio é mais lento do que os dos meus outros shows, tem mais samba-canção, músicas mais melancólicas. Mas ao vivo é sempre uma festa, tem o público cantando, extravasando, dividindo com a gente. Desde o disco de estúdio, essa desaceleração era necessária para mim, já não estava curtindo mais ter que cantar com o registro tão alto. Quando você começa a fazer show lá fora, nota o silêncio e a capacidade do público de prestar atenção na música. Eu não aguentaria continuar naquele crescendo, virar uma cantora aeróbica, de festa.
Na época de lançamento do "Delírio" no estúdio, você disse que estava retornando ao samba como quem voltava para casa. Ainda se sente assim?
Isso foi porque eu vinha de um trabalho com outras influências (o disco Segunda Pele) e sentia necessidade dessa volta, mas não me sinto limitada a nenhum estilo. Precisava voltar à minha casa, à minha zona de conforto, porque eu estava em uma fase sem saber muito o que fazer, sem achar nada muito interessante fora do samba. Não encontrava nenhuma sonoridade que já não achasse datada e desgastada. Acho que o samba é uma fonte inesgotável de inspiração. Quis voltar ao meu marco zero com Delírio, e por isso mesmo quis gravar o DVD no Circo Voador, que é uma casa ainda democrática aqui no Rio e abriga artistas de diversas frentes.
O que tem chamado sua atenção na música brasileira atual?
De uma maneira geral, acho que ela está em um momento muito rico. Todo dia fico conhecendo uma coisa nova de que eu gosto, sabe? Estava ouvindo agora O Terno, uma banda que eu não conhecia, e é lindo o trabalho deles, estou encantada. Gosto muito do Rubel também. Acho que estamos nos descolando um pouco do nosso passado glorioso. A gente é muito reverente, e tem que ser mesmo, porque tem muita gente que fez e ainda faz uma música incrível. Mas as gerações que vieram depois sofrem muito com essa comparação. Percebi quando fui fazer esse disco que o samba ainda estava com o discurso muito dos anos 1950 e 1960, que eu adoro, mas tem que falar também sobre o que está acontecendo agora. Tem que escutar quem está falando sobre hoje. Estamos vivendo um momento de mudanças em diversos aspectos, como no amor, e isso tem que ser dito na canção.
DELÍRIO NO CIRCO
De Roberta Sá
CD com 16 faixas e DVD com 20 faixas, lançamento Som Livre, MP,B Discos e Canal Bis, R$ 18, em média (CD e DVD).