Alguns lutos só podem ser cumpridos por meio da arte. Aos 48 anos, o ator Matheus Nachtergaele traz ao 23º Porto Alegre Em Cena um espetáculo tão singular quanto a experiência que registra: uma homenagem à mãe, que se matou quando ele tinha apenas três meses. Processo de conscerto do desejo tem sessões de segunda a quarta-feira, às 20h, no Teatro do Sesc Centro (Alberto Bins, 665), com ingressos a R$ 80. O neologismo presente no título faz referência a "concerto" – já que a música está presente – e a "conserto", ou seja, reparo. Afinal, não é o próprio luto uma forma de colocar em ordem o sentimento?
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Ao lado dos músicos Luã Belik (violão) e Henrique Rohrmann (violino), Nachtergaele recita poemas escritos por sua mãe, Maria Cecília, e interpreta canções das quais ela gostava. São poucos objetos em cena, mas todos repletos de significado: um espelho, um leque, uma cadeira de palha e um vestido preto como aquele que a mãe usaria no batizado do filho e acabou vestindo em seu próprio enterro. Na difícil tarefa de dar nomes às coisas, o ator prefere definir este trabalho como uma "missa pagã":
– Reuni, na forma de espetáculo, alguns dos conceitos que me interessam profundamente: o teatro como celebração, nascido do depoimento pessoal e íntimo do artista, e a performance para a qual fui formado como ator. Sou cria de Antunes Filho e do Teatro da Vertigem.
Para Nachtergaele, a mãe não é uma desconhecida. Costuma dizer que estiveram juntos do período uterino até os três meses de idade – ele admira Maria Cecília por tê-lo esperado. O espetáculo, portanto, é um reencontro. Por meio dele, o ator pode não exatamente superar o luto, mas "fazer da dor poema", em suas palavras. Apresentar uma peça com a mãe, ele observa, é um milagre que só o teatro pode realizar:
– Finalmente estamos juntos. Ela é a autora; seu filho, o arauto de seu poema. Estamos juntos na carne, pela descendência, e na arte, pelo fazer. A peça é um lamento repleto de alegria e satisfação.
Com o julgamento tocado pela relação afetiva, Nachtergaele considera os poemas da mãe "surpreendentemente concisos e ternos", próximos do tom de Marguerite Duras com sua "dor feminina e feminista de quem ama os homens". São versos que tratam de temas como as coisas da vida, o filho, a cadeira e a mariposa e que "pedem ternura apesar da sombra sempre entrevista pela artista". Para que distanciamento crítico quando se tem amor?
O pai, Jean Pierre, assistiu ao espetáculo, em São Paulo, chorando. Foi ele quem havia dado a Matheus os poemas dela quando o filho tinha 16 anos, o "dia terrível" em que contou tudo sobre o suicídio de Maria Cecília. Nunca haviam falado disso antes e não voltariam a abordar o assunto depois. Talvez por isso o teatro ofereça o melhor luto de todos: porque, no palco, o espetáculo sempre recomeça.