Encarando a câmera, Champignon diz que há coisas sobre o Charlie Brown Jr. que nunca serão conhecidas. Pareceu uma premonição. Sete dias depois, o baixista se matou, levando consigo as histórias que não quis revelar.
A cena está no documentário Chorão: Marginal Alado, que resgata a figura intensa e errante do vocalista do Charlie Brown Jr, que morreu em 2013 após uma overdose de cocaína. Champignon cometeu suicídio meses depois.
Marginal Alado faz sua estreia na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
— Acompanhamos a repercussão da morte dele e entendemos que a discussão estava muito maniqueísta — diz o diretor, Felipe Novaes. — Entendíamos que ele era um personagem com mais complexidade, que merecia um retrato mais aprofundado.
Chorão, apelido de Alexandre Magno Abrão, era uma figura que despertava amor e ódio. Idolatrado por uma legião de fãs, ele não tinha a mesma legitimidade com a classe intelectual. Mesmo no meio artístico, tinha tantos amigos próximos quanto desafetos.
O vocalista do Ratos de Porão, João Gordo, conta no filme que eles quase brigaram em uma edição da premiação da MTV. Outra história relembrada é a briga de Chorão com Marcelo Camelo, em que o ex-vocalista do Los Hermanos acabou agredido depois de falar mal da banda de Santos.
A defesa do Charlie Brown Jr., diz Novaes, fazia parte da essência de Chorão.
— Ele era controverso, cheio de contradições. E a banda era seu projeto de vida. Ele levava isso ao extremo, o que é algo muito lindo, na verdade.
Desde 2013, o diretor e sua equipe trabalharam colhendo depoimentos e explorando cerca de 700 horas de filmagens do filho de Chorão. As imagens inéditas de estrada, estúdio, palco, participações em programas de TV e diversos momentos de bastidores foram feitas por Jerri Rossato Lima, que trabalhava com o grupo.
— O Chorão deu a ele uma câmera e pediu que filmasse tudo — diz Novaes.
Marginal Alado reconstrói a história do músico e skatista sem se prender a cronologias ou à discografia do Charlie Brown Jr. Chorão, na verdade, é retratado nas palavras de pessoas próximas — desde funcionários até a família, passando por parceiros musicais como Marcelo Nova, do Camisa de Vênus — e nas imagens raras de Rossato.
— Tentamos embarcar numa jornada mais psicológica e reflexiva, entendendo como os sonhos e escolhas refletiram na vida dele — conta o diretor. — A banda tem mil particularidades, mudanças de formação e tudo mais. Queremos contar a vida do Alexandre.
Desde adolescente, Chorão tinha planos para montar sua banda e acreditava que poderia dar certo. Era compositor prolífico e frenético, e tinha uma dedicação profunda nos shows e gravações. Até por isso, centralizava todas as decisões do Charlie Brown Jr.
A personalidade forte, ao mesmo tempo que pavimentou o caminho para as quase duas décadas de sucesso ininterrupto do grupo, gerou as desavenças internas. Mas além das questões artísticas, Chorão é visto como uma espécie de patrão.
— Eu não tinha a dimensão de como ele era realmente um empresário, um produtor — conta Novaes. — Das imagens, é o que mais me surpreendeu.
Carinhoso mas arrogante, agressivo mas generoso, patrão mas irresponsável. Chorão era tudo isso — muitas vezes ao mesmo tempo —, com uma personalidade rara que deixa todo o documentário com uma atmosfera saudosista.
Para Novaes, com a passagem do tempo, Chorão vai desmontando com o cansaço. Sua morte é vista como resultado de um processo de depressão e decadência, que vai avançando conforme ele passa a ficar mais introspectivo — e a consumir mais cocaína.
— Faz quase sete anos que ele morreu e o Charlie Brown continua uma banda que mobiliza as pessoas — diz. — É difícil dizer a razão, mas é impressionante o poder dele de tocar as pessoas, e isso a vida inteira.
CHORÃO: MARGINAL ALADO
- Produção Brasil, 2019. Direção Felipe Novaes
- O lançamento nos cinemas está previsto para 2020