Dois meses atrás, Boy Erased, filme crítico sobre a chamada “cura gay”, passou reto pelos cinemas brasileiros e foi direto para o DVD, apesar de seu elenco hollywoodiano e indicação ao Globo de Ouro. Razões comerciais, segundo a sua distribuidora. Por ironia, outro longa com a mesma abordagem sobre o assunto, mas sem nomes estrelados, O Mau Exemplo de Cameron Post, estreou até em shopping centers.
A cineasta Desiree Akhavan se surpreende ao saber:
– Tivemos que lutar muito para que o nosso filme estreasse nos cinemas aqui nos Estados Unidos, enquanto Boy Erased teve um lançamento grande.
Ambas as produções partem de livros. Em Boy Erased: a Verdade Sufocada, o americano Garrard Conley narra as memórias de quando foi levado pelo pai, um pastor batista, a um desses locais que se propõem a reorientar gays. Cameron Post é o romance juvenil escrito por Emily M. Danforth, inspirado em uma experiência do mesmo tipo, só que com uma adolescente lésbica. Ambos os filmes abordam a inspiração religiosa que guia esses centros, evocam suas normas peculiares, como a revista de pertences para proibir a entrada de itens profanos, e a inadequação dos protagonistas diante das arbitrariedades de seus líderes.
Enveredam, assim, por um quase gênero: o filme de internação. São praticamente versões LGBT teens de Um Estranho no Ninho. Mas as semelhanças terminam aí.
Boy Erased está mais para uma (malsucedida) tentativa de fazer bom-mocismo com pautas identitárias e chamar a atenção ao escalar atores como Nicole Kidman e Russell Crowe. Vem também de um diretor com pouca ligação com a causa.
Diretora em busca de humanidade
Já O Mau Exemplo de Cameron Post faz jus ao pedigree indie, que lhe rendeu prêmio em Sundance, com produção mais modesta, mais sutileza e menos atores famosos. Sua diretora é um nome conhecido em produções que resvalam na temática queer. O filme também deixa de lado o maniqueísmo de Boy Erased e opta por não tratar religiosos como vilões ou frequentadores dos centros como incautos vítimas de lavagem cerebral.
– Não queria transformá-los numa piada – explica Desiree. – A esquerda liberal não gosta muito da ideia, mas eu queria falar da humanidade que existe até nos que defendem essas terapias.
Chloë Grace Moretz (Deixe-me Entrar) interpreta a personagem-título, órfã flagrada pelo namorado aos beijos com outra menina. A tia a obriga a frequentar o Promessa de Deus, programa mantido por psicólogos evangélicos em algum lugar não especificado dos rincões americanos. Ali, Cameron ouve que o desejo homossexual é a ponta do iceberg de uma série de questões que só a religião irá sanar. O ano é 1993. Sem internet para conhecer histórias de outras lésbicas, a sensação de inadequação e solidão da garota é maior. É naquele centro, contudo, que encontrará mais gente como ela.