Dois amigos, distantes fisicamente um do outro havia 30 anos, começaram a trocar e-mails em 13 de outubro de 2015. O calhamaço de missivas digitais ganhou ponto final em 28 de junho de 2016. Em seguida virou livro e plantou a semente que fez brotar uma série de seis episódios, que poderá ser assistida a partir desta terça-feira (12) no Cine Santander (Rua 7 de Setembro 1.028).
Diálogo Sobre o Cinema coloca frente a frente, em capítulos de 25 minutos, Nelson Nadotti e Carlos Gerbase, dois dos pioneiros do jovem cinema gaúcho que despontou no final dos anos 1970 realizando curtas na bitola Super-8 com escassos recursos técnicos e financeiros compensados por criatividade e energia transbordantes. Ajudaram a abrir o caminho que consolidou o Rio Grande do Sul como um dos mais ativos polos de produção audiovisual do Brasil. Nadotti rodou com Giba Assis Brasil o longa em Super-8 Deu Pra ti Anos 70 (1981), grande marco dessa geração.
Em negociação para exibição na TV por assinatura, Diálogo Sobre o Cinema integra a programação que o Cine Santander exibe neste mês de junho justamente dedicada a filmes que falam sobre fazer filmes. Apaixonada pela arte e pelo ofício – Gerbase é cineasta e professor de cinema, e Nadotti é roteirista da Globo –, a dupla passa em revista no reencontro diante das câmeras o papo que bateram virtualmente. Destrincham as engrenagens da produção de um filme do roteiro à montagem, reverenciam mestres e rememoram seus trabalhos de formação.
A reunião é turbinada por inventivas e didáticas intervenções gráficas, que dão ritmo e graça à matriz epistolar do projeto. A fartura de material de arquivo ilumina a efervescência cultural que embalava a juventude de Porto Alegre naqueles tempos de transição entre o fim do sonho libertário hippie e o começo do desbunde com a pós-modernidade oitentista – ainda com o país sob a censura da ditadura militar.
Gerbase lançou a ideia do livro, a convite da editora Escritos, e Nadotti propôs o registro transformado em série. O diálogo é prazeroso tanto para jovens estudantes de cinema quanto para cinéfilos saudosos do tempo em que esse não era um deleite fácil de saciar – mas costumava ser bem servido na Capital em espaços como o Cinema 1 – Sala Vogue, na Independência, ou o Bristol, na Osvaldo Aranha.
Os amigos cruzaram seus destinos no curso de Jornalismo da Famecos da PUCRS. Nadotti vinha da Engenharia e já fazia filmes com a câmera que havia ganho de sua mãe. A praia de Gerbase era escrever. Acabaram somando sonhos e habilidades ao lado de parceiros como Hélio Alvarez, com quem fizeram o seminal média-metragem Meu Primo (1979), filme que integra a programação ao lado de outras produções da turma, como o raro documentário História – A Música de Nelson Coelho de Castro (1978), de Nadotti e Sérgio Lerrer, e o curta No Amor (1982), de Nadotti, a estreia no suporte 35mm, divisor de águas para o cinema profissional.
Vivendo no Rio de Janeiro desde 1983 – foi trabalhar com diretores como Cacá Diegues e Murilo Salles e agora é roteirista de dramaturgia da Globo –, Nadotti veio à Capital para, além de conversar com Gerbase, voltar com ele a locações de seus filmes e aos corredores da Famecos, onde tudo começou sob a bênção do professor de cinema Aníbal Damasceno Ferreira, mentor de ambos.
A série Diálogo sobre o Cinema e os seminais filmes gaúchos a ela relacionados – incluindo os pioneiros Super-8 realizados pela garotada do Cineclube Humberto Mauro (na ativa entre 1976 e 1980 promovendo antológicas sessões no Clube de Cultura da Rua Ramiro Barcelos) – seguirá em exibição na próxima semana. Várias sessões serão seguidas de debates com realizadores e atores.
Gerbase, que prepara o lançamento de seu sétimo longa, Bio, avisa que essa viagem no tempo foi tão prazerosa que pode ter continuação:
– A ideia é fazer mais temporadas, sempre nesse formato de dois artistas que já trabalharam juntos conversando sobre suas realizações. O tamanho dependeria da própria conversa. Podem ser de três a seis episódios de meia hora. E não precisaria ser só de cinema.
Programação da semana (12 a 16 de junho)
Terça
-15h – Diálogo Sobre o Cinema (episódios 1, 2 e 3) – História, A Música de Nelson Coelho de Castro (1978), de Nelson Nadotti e Sérgio Lerrer, e Meu Primo (1979), de Carlos Gerbase, Hélio Alvarez e Nelson Nadotti.
-19h – Diálogo Sobre o Cinema (episódios 1, 2 e 3). Sessão comentada com Carlos Gerbase e os atores Marco Sório e Pedro Santos.
Quarta
-15h e 17h – Diálogo Sobre o Cinema (episódios 1, 2 e 3).
-19h – História, A Música de Nelson Coelho de Castro e Meu Primo.
Quinta
-15h – Quando Paris Alucina (1964), de Richard Quine
-17h – Os Picaretas (1999), de Frank Oz
-19h – A Invenção de Hugo Cabret (2011), de Martin Scorsese.
Sexta
-15h – O Filho de Rambow (2007), de Garth Jennings
-17h – O Homem da Cabine (2008), de Cristiano Burlan
-19h – Quarto 666 (1982), de Wim Wenders, e De Volta ao Quarto 666 (2008), de Gustavo Spolidoro. Sessão comentada com Gustavo Spolidoro
Sábado
-15h – Diálogo Sobre o Cinema (episódios 4, 5 e 6).
-17h – Seleção de curtas do Cineclube Humberto Mauro (anos 1970, vários diretores); No Amor (1982), de Nelson Nadotti; Interlúdio (1983), de Carlos Gerbase; A Voz da Felicidade (1987), de Nelson Nadotti; Passageiros (1987), de Carlos Gerbase; Deus Ex-Machina (1996), de Carlos Gerbase; O Comprador de Fazendas (2001), de Carlos Gerbase
-19h – Diálogo Sobre o Cinema (episódios 4, 5 e 6). Sessão comentada com Carlos Gerbase e o ator e dramaturgo Júlio Conte.