Em 2009, as atrizes Maria Manoella e Martha Nowill foram a Moscou estudar o método de atuação do russo Constantin Stanislavski (1863 – 1938). A empreitada gerou um texto publicado na revista Piauí e, oito anos depois, um longa-metragem que recria seus passos equilibrando-se entre o registro documental e a reinvenção ficcional. Estreia da semana nos cinemas, Vermelho Russo pode ser visto, em Porto Alegre, no GNC Moinhos e no Espaço Itaú.
O filme tem direção do carioca Charly Braun, do bom Além da Estrada (2011), road movie rodado no Uruguai que igualmente buscava a potência das imagens que se conformam na fricção entre o real e sua representação. Mas Vermelho Russo é diferente. Além de envolver a memória, opera na fronteira entre o que as atrizes vivenciam em territórios duplamente inóspitos: a cidade fria, desconhecida, com seu idioma indecifrável, e o palco no qual ensaiam textos de Tchecov (1860 – 1904), como A Gaivota e Tio Vânia, sob o olhar de um exigente encenador (Vladimir Poglazov).
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A sensação de deslocamento se abate sobre elas. Talvez fosse intenção de Braun que esse impacto se desse na convivência pessoal e, ao mesmo tempo, quando elas se caracterizassem como personagens do grande autor russo, brincando sobre essas transformações forçadas pelas quais passam. O jogo de cena se estabelece, porém, não com a riqueza que essa premissa sugere.
As relações que elas e o amigo Tatu (Esteban Feune de Colombi, protagonista de Além da Estrada) firmam com pessoas que conhecem por lá, como a porteira de seu prédio (Svetlana Murashova) e um ator local (Mihail Trojnik), são exploradas como alívios em meio ao seu drama. O estranhamento também tem graça, Braun parece ressaltar, à maneira de Sofia Coppola em Encontros e Desencontros (2003). Não só isso. A presença de Tatu, que com uma câmera na mão filma o cotidiano das duas, impondo outra camada a esse jogo cênico, indica que o que interessa, em Vermelho Russo, é menos o estranhamento em si e mais o retrato desse estranhamento.
Intercalando imagens do próprio filme com as dessa câmera de Tatu, Braun provoca o espectador a pensar sobre essa dualidade. O problema, aqui, são as diferenças entre as imagens dessas duas fontes, que não são tão marcantes a ponto de promover uma quebra brusca de registro nem tão sutis de modo que possam passar despercebidas.
A despeito da irregularidade do resultado, Braun e suas protagonistas – espécies de coautoras do projeto – encontraram o que talvez seja mais difícil neste momento de profusão dos dramas realizados com um pé na ficção e outro no documentário: autenticidade. Foi como, refletindo sobre a encenação, o trio conseguiu refletir sobre o próprio cinema.
VERMELHO RUSSO
De Charly Braun
Drama, Brasil, 2016, 90min.
Em cartaz no GNC Moinhos e no Espaço Itaú .
Cotação: bom