Um dos roteiristas da nova versão de Ben-Hur refere-se a "blasfêmia" para ilustrar o desafio encarado no trabalho, tanto pelo significado religioso que circunda o enredo ficcional quanto, e sobretudo, pelas perguntas que o projeto lançou quando foi anunciado: por que razão fazê-lo?. A incessável onda de remakes não deveria salvagualdar ao menos os mais simbólicos totens cinematográficos?
A resposta entra em cartaz nesta quinta-feira, na forma da terceira releitura para o cinema do livro Ben-Hur: uma história dos tempos de Cristo. Pouca gente conhece a obra lançada em 1880 pelo americano Lew Wallace, e o filme mudo de o filme mudo de 1925 é um referência perdida no tempo – tem ainda a minissérie de TV de 2010. Quando se fala em Ben-Hur, está se falando do imponente épico bíblico de 1959 ganhador de 11 Oscar, um dos mais estimados clássicos produzidos em Hollywood.
Ator inglês Jack Huston fala sobre o desafio de viver o novo Ben-Hur
Jack Huston e Rodrigo Santoro lançam Ben-Hur no Brasil
Esse novo Ben-Hur é voltado ao um público-alvo que provavelmente desconhece, talvez tenha ouvido falar, do filme de William Wyler estrelado por Charlton Heston. E a esse busca ser reverente ao mesmo tempo em que se lança em uma arriscada nova abordagem da trama ancestral, pinçando dela um espelhamento com temas contemporâneos, como a intolerância religiosa e política e a resistência aos tiranos opressores. Porém, a intenção faz água, e a produção de US$ 100 milhões naufraga pelo caminho .
Dois roteiristas assinam a nova versão: Keith R. Clarke e John Ridley, vencedor do Oscar com seus trabalho em 12 anos de escravidão – foi este que admitiu que os fãs do clássico poderiam ver como blasfêmia essa releitura. Em comparação com o Ben-Hur de 1959, a história ficou mais enxuta (124 minutos de duração contra os 220 minutos de Wyler). O aspecto de filme bíblico foi um tanto desidratado para concentrar a narrativa na saga cumprida pelo jovem judeu de origem nobre Judah Ben-Hur (Jack Huston) para se vingar do romano Messala (Toby Kebbell), responsável por arruinar sua família e condená-lo ao trabalho escravo nas galés do império. E Ben-Hur e Messala foram transformados de amigos de infância em irmãos de criação.
A odisseia do herói corre em paralelo à ascensão de Jesus Cristo como o messias à frente da resistência pacífica contra a ocupação romana na Judeia. Personagem que não mostra o rosto no longa de Wyler, Jesus aparece com mais destaque, vivido pelo brasileiro Rodrigo Santoro, e mostra-se uma figura inspiradora para Ben-Hur. Mas existem insurgentes que defendem a rebelião pela força, e é por ser injustamente associado a um atentado a um figurão romano que Ben-Hur cai em desgraça.
Quem dirige o novo Ben-Hur é o russo Timur Bekmambetov, diretor que tem no currículo títulos como Abraham Lincoln: caçador de vampiros (2012). Se mostra aluma eficiência para cenas de ação e impacto visual – como na batalha naval que marca a volta por cima de Ben-Hur, na icônica corrida de quadrigas do clímax, na qual o protagonista busca consumar a vendeta com Messala, a na via-crucís de Jesus Cristo –, Bekmambetov é sofrível nos segmentos dramáticos, que remetem às telenovelas bíblicas que têm feito sucesso no Brasil.
O bom ator inglês Jack Huston faz o que pode diante de uma trama que segue o tom folhetinesco de um dramalhão religioso-romântico-familiar, registro sintetizado em diálogos pedestres e, em especial, no risível desfecho em ritmo de videoclipe. Santoro também de salva do desastre nas poucas falas que tem e na impactante sequência da crucificação. Por sua vez, o sempre carismático Morgan Freeman dá rubustez a seu exótico beduíno, figura que condensa dois personagens que ajudam o Ben-Hur de Charlton Heston na sua volta por cima.
Huston e Santoro apresentaram em São Paulo, no começo do mês, a primeira sessão pública de Ben-Hur no mundo. Reforçaram nas entrevistas que a versão 2016 não é um remake da de 1959, que o novo filme busca dialogar com um novo público destacando temas que seguem convulsionando o planeta, que o registro é menos sacro e mais humanista. Percebe-se essa nobre intenção. Mas ela se mostra insuficiente para manter de pé esse frágil novo Ben-Hur. Sua melhor serventia a esse novo público é despertar o interesse pelo Ben-Hur que permanece único.
* O jornalista viajou a convite da Paramount Pictures.