Hoje, 20 de novembro, Dia da Consciência Negra, a história da imprensa gaúcha nos remete a um jornal que combateu o preconceito étnico-racial e lutou contra as injustiças sociais, constituindo-se porta-voz da comunidade afrodescendente: O Exemplo (1892-1930).
Criado em Porto Alegre, no Salão de Barbeiros Calisto, situado à Rua dos Andradas número 247, esse semanário, em sua segunda fase, a partir de 1902, adotou o subtítulo "Jornal do Povo". O Exemplo foi um instrumento de denúncias, discussões e reflexões dos chamados, na época, "homens de cor". No editorial do seu primeiro número, em 11 de dezembro de 1892, declarou: "Devemos mostrar à sociedade que também temos um cérebro que se desenvolve segundo o grau de estudo a que o sujeitemos (...)".
O jornal foi fundado em razão do preconceito e da discriminação sofridos por Justino Coelho da Silva. Classificado em primeiro lugar num concurso público estadual, ele foi impedido de assumir o cargo devido à anulação do processo seletivo. A justificativa desse ato foi que, embora comprovada a capacidade intelectual do candidato, este tinha o grave "defeito" de não ser um homem de tez branca.
O Exemplo foi dirigido exclusivamente por afrodescendentes, tendo sido, no gênero, o primeiro com periodicidade até as primeiras décadas do século 20. Circulando aos domingos, teve à sua frente nomes como Arthur de Andrade, Esperidião Calisto, Tácito Pires e Alcebíades A. dos Santos. Durante a trajetória do jornal, merecem registro, entre outros nomes, os irmãos Sérgio de Bittencourt e Aurélio de Bittencourt Júnior, filhos do grande jornalista e escritor Aurélio Veríssimo de Bittencourt.
Entre 1920 e 1930, Dario de Bittencourt – que foi professor de Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – dirigiu o jornal. Nesse período, O Exemplo começou a abrir o seu espaço para colaboradores brancos, como Raul Bopp, Vargas Neto, Dante de Laytano, Jorge Bahlis e Walter Spalding, entre outros destaques da nossa cultura. Em sua primeira fase, o jornal circulou de 1892 a 1897 e retornou em 1902. Ao longo da sua existência, ocorreram quatro interrupções, encerrando-se a circulação, em definitivo, no primeiro semestre de 1930.
A educação – tema bastante presente no jornal – resultou na criação da escola O Exemplo, conforme anúncio publicado na página 4 da edição de 2 de dezembro de 1902. Esta funcionava à noite, e seus professores alfabetizavam e ministravam o curso primário. Não havia o ensino religioso, pois o jornal defendia a liberdade de culto.
Segundo a doutora Maria Angélica Zubaran, da Ulbra, quanto a denúncias (entre outras publicadas pelo jornal), O Exemplo, de 1º de maio de 1910, trouxe a público a "roda dos expostos" da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e acusou o Juizado de Órfãos de agência de consignação de escravos. Segue um trecho: "(...) são adquiridos rapazinhos para copeiros, rapariguinhas para "criadas de dentro" e cozinheiras, enfim, para todo o serviço (até para mulher dos patrões)".
Zubaran coordenou o projeto O Direito às Memórias Negras, que resultou, em 2016, na digitalização de O Exemplo, considerado pelo professor e poeta Oliveira Silveira (1941-2009) como patrimônio cultural afro-brasileiro. Como militante do Movimento Negro, Oliveira foi um dos líderes da campanha em prol da criação do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, instituído, em âmbito nacional, mediante a lei nº 12.519 de 10 de novembro de 2011. Originais desse importante jornal foram também digitalizados pelo Instituto Histórico e Geográfico do RS (IHGRS), dirigido, atualmente, por Miguel do Espírito Santo.
Alguns exemplares de O Exemplo encontram-se sob a guarda do Museu da Comunicação Hipólito José da Costa, em Porto Alegre, que, em 10 de setembro de 2017, completou 43 anos prestando valoroso serviço à comunidade cultural dedicada à pesquisa historiográfica.
Colaboração de Carlos Roberto Saraiva da Costa Leite, pesquisador e coordenador do setor de imprensa do Museu de Comunicação JHC