Como muitas lojas de suvenir em Nova York, a Memories of New York, em Manhattan, está lotada de camisetas. São estampadas com o logo do New York Yankees e de algumas estações do metrô, imagens da Ponte do Brooklyn e, é claro, o símbolo mais que familiar do “Eu (coração) NY”.
O dono conta que elas são essenciais ao seu negócio, mas que, desde que reabriu em agosto, seis meses depois de ser obrigado a fechar por causa do confinamento imposto pela pandemia de coronavírus, ainda não vendeu nenhuma.
— Não estou vendendo nada. Ninguém está comprando — afirma Alper Tutus, 75 anos, que tem seu negócio em Flatiron há 25.
Cercado de copinhos de shot com temática nova-iorquina, bonés com insígnia da polícia e do corpo de bombeiros locais, e um mar de canecas, postais e chaveiros, ele explica que há pouco tempo renovou o contrato de aluguel do imóvel de 560 metros quadrados, que agora sai a US$ 70 mil mensais. Só que, sem renda, está sendo complicado manter o compromisso.
Para muitos turistas que vão aos Estados Unidos, nenhuma visita a Nova York fica completa sem uma parada para comprar uma camiseta, um boné ou outro objeto que lembre a metrópole vibrante e cheia de energia visitada por gente do mundo todo — ou pelo menos era assim, antes de a pandemia exigir restrições rígidas de viagem.
As regras acabaram com o movimento em um dos centros urbanos mais populares do país em matéria de turismo, levando a uma reversão drástica do aumento de visitantes dos últimos anos. Embora a cidade venha reabrindo lentamente, com parte dos trabalhadores de volta aos escritórios, os turistas continuam praticamente afastados, o que significa que não há clientes para as centenas de lojas de souvenir, praticamente às moscas.
"Nosso negócio depende só dos turistas. Não sobrevivemos em eles"
Recentemente, a Secretaria de Turismo de Nova York calculou que deve demorar uns quatro anos para que o número de visitantes se recupere aos níveis pré-pandemia. Em âmbito internacional, talvez leve até mais.
— Está ruim em todo lugar, mas outros setores, como o de gastronomia, ainda podem contar com o pessoal da cidade — diz Eicha Misfa, gerente da I Love NY da Broadway com a Rua 38, região normalmente movimentada, próxima a vários teatros.
— Nosso negócio depende só dos turistas. Não sobrevivemos sem eles — completa Misfa.
Ou como resume a vendedora da Park Souvenirs & Gifts de Manhattan: “Como vender lembranças se não há turistas?”. Uma colega sua (nenhuma das duas quis dar o nome, já que não são nem donas nem gerentes) conta que as vendas caíram 90%. E se mostra pessimista, apostando que a loja, localizada pertinho do Central Park South, não passe do Natal, “a menos que aconteça um milagre”.
Na K&N Gifts, na Broadway com a Rua 52, Tipu Syed, vendedor de 20 anos, revela que o patrão paga US$ 30 mil por mês pelo local:
— Não sei como ele está conseguindo pagar o aluguel e meu salário, mas estou muito aliviado por ainda ter emprego.
Às 14h de um dia de semana, Syed, ao lado das vitrines que exibem de miniaturas da Estátua da Liberdade e do Empire State Building a coletes caninos da polícia, diz que só atendera duas pessoas.
— Não tem ninguém para comprar — desabafa, cercado de babadores com a insígnia da polícia, canecas I Love NY em promoção (duas por US$ 9,99) e bonés de beisebol NYC (três por US$ 10,99).
"As ruas estão chorando de tão vazias"
Midtown Manhattan tem a maior concentração de lojas do setor, pois reúne atrações turísticas como o Centro Rockefeller, o Empire State Building e a Times Square, mas todas receberam pouquíssimos visitantes desde o fim do confinamento. Os empregados dizem contar nos dedos de uma mão as vendas que fecham. Podem ser vistos na entrada dos estabelecimentos, tentando atrair os passantes com descontos.
Na Playland Gifts — uma das quatro lojas de suvenir em um único quarteirão da Sétima Avenida —, o vendedor Nazmul Islam, 42 anos, perto da arara que oferece máscaras com o emblema NYC a US$ 7 cada, conta que só atendera dois fregueses desde a manhã:
— Na rua, só tem gente que mora aqui. Quem vai comprar lembrancinhas da cidade?
Em outra filial da I Love NY, na Broadway perto da Rua 52, Akm Islam está parado perto da entrada, entre as prateleiras que oferecem globos de neve com a paisagem de Manhattan e miniaturas da Estátua da Liberdade.
— Quem chega aqui comenta que não acredita que estamos em Times Square — começa ele, apontando para as calçadas lá fora. — Dá só uma olhada. As ruas estão chorando de tão vazias.
"Só o que temos é a esperança"
Em 2019, o setor do turismo de Nova York comemorou o 10º ano de crescimento contínuo, com 67 milhões de visitantes, um recorde. Antes da pandemia, a projeção era de pelo menos manter o mesmo número, mas agora a prefeitura já fala em apenas 22 milhões.
A NYC & Co., agência de propaganda do setor do município, informa que o turismo é responsável por mais de 400 mil empregos e representa quase US$ 7 bilhões em impostos estaduais e locais. O colapso da indústria acabou com hotéis, restaurantes, bares e parte do comércio.
— Se não há milhões de turistas chegando à cidade toda semana, não tem como sustentar tantas lojas. Muitas delas vão ser forçadas a fechar — diz Nathan Harkrader, diretor executivo do CitySouvenirs.com e NYCwebstore.com, duas lojas virtuais.
Graças ao crescimento do segmento e ao fluxo enorme de visitantes, os lojistas podiam arcar com os altos aluguéis, pois vendiam em grande volume itens relativamente baratos.
— Tem região da cidade com mais loja de souvenir do que Starbucks. É um nível de saturação que dificulta ainda mais a sobrevivência — constata Harkrader. — Fornecedores já estão mandando produtos que recolheram dos estabelecimentos que fecharam as portas. Continuo aberto porque tenho muitos clientes que moravam aqui, e outros que adoram a cidade e compram só mesmo por solidariedade. Tem também quem quer algo com que passar o tempo em casa. Os quebra-cabeças são campeões de vendas – afirma o lojista, que mantém seu estoque em um galpão na Pensilvânia, com aluguel mais baixo.
As festas de fim de ano se aproximam, e normalmente as lojas já estariam se preparando para um dos períodos mais movimentados do ano. Mas, com o novo aumento de casos de covid-19 e muitas restrições de viagem ainda em vigor, há poucas chances de comemorações natalinas. Para Islam, o vendedor da Playland Gifts, o setor só pode torcer por uma virada repentina:
— A única coisa que temos no momento é esperança.