"Ao longo de quase 35 mil quilômetros, por terras distantes em uma obstinada direção leste, o autor nos leva na garupa de sua motocicleta em uma instigante e experiente reflexão entre Paris e Singapura", diz a contracapa do livro Tempo em Equilíbrio - Entre Paris e Singapura escrito pelo motociclista e ex-executivo da Embraer Ricardo Lugris e lançado na última terça-feira (9).
Gaúcho de Bagé e morador da capital francesa, Lugris conta em 296 páginas como foi sua viagem, em 2015, montado em uma BMW 1200 GS Adventure, durante seis meses, da Europa ao sudeste asiático.
Foram 20 países percorridos, 11 fusos horários, três trocas de jogos de pneus, duas quedas, nenhum problema de saúde e centenas de encontros. Em entrevista ao GaúchaZH, o marido da Graça, pai de duas filhas e dono de um cachorro beagle, reforça que muitos aventureiros sabem viver suas viagens, mas não sabem contá-las.
— Volto para minha casa realizado e talvez com algo novo em meu interior — diz Lugris.
Quando você decidiu fazer essa viagem?
Eu já estava planejando fazer essa viagem. Em 2015, aproveitando a minha saída da Embraer, depois de 32 anos trabalhando na empresa, tive tempo para me planejar. Eu aproveitei essa transição entre a minha saída e o meu novo emprego. Queria fazer uma viagem de seis meses.
E como foi o planejamento?
Você tem que organizar todos os aspectos técnicos, a preparação da moto. Tinha que percorrer grandes distâncias sem acesso a combustível. Me preparei também na parte física e na minha saúde. Tive que fazer 12 tipos de vacina, pois na moto você está ali exposto a todo tipo de situação. Levei um kit completo de primeiros socorros que tinha medicamentos para dores extremas. Muitos países exigem um documento chamado carnê de passagem – é uma espécie de passaporte para a motocicleta –, uma garantia dizendo que você não vai levar sua moto para vendê-la em outro país.
Um momento marcante?
É muito difícil você tirar apenas um episódio. Eu diria que uma impressão geral foi o contato com várias pessoas e culturas. Na Sibéria (região fria que ocupa 77% do território russo) você convive com pessoas muito reservadas e tímidas. Foi muito difícil a comunicação. Já no Japão, as coisas foram diferentes. Os moradores vêm falar contigo sem saber falar inglês. Por gestos e sorrisos você acaba se comunicando com eles. Uma coisa que me marcou bastante foi o contato com as tribos nômades do deserto de Gobi, na região sul da Mongólia. Eram pessoas de uma hospitalidade extrema. Sabem que você não sobrevive dormindo na noite fria do deserto. As temperatura chegam à - 5°C . No final da tarde, tu bate na porta da cabana deles e eles te recebem com uma taça de chá ou leite de camela. Eu falo seis idiomas, mas eles só falam mongol. Passamos o final dos dias sentados do lado de fora da cabana apenas tomando chá e vendo o entardecer. Você passa uma ou duas horas em uma conversa sem palavras.
Um momento complicado na viagem?
Foi uma queda que eu tive no norte do Laos (país localizado na região da Indochina). A estrada de terra tinha sido molhada por um morador de uma aldeia próxima. Provavelmente ele queria diminuir a poeira na sua casa. Eu entrei em uma curva com uma certa velocidade, acho uns 80 km/h ou 90 km/h e tentei desviar de um buraco. Com o movimento a moto deslizou e caímos no chão. Eu fiquei firme nela, que deve ter se arrastado por uns 40 ou 50 metros. Por sorte, sempre piloto equipado.
O equipamento te ajudou nesse momento?
Eu acredito que a moto é perigosa e sempre viajo com os melhores equipamentos. Você tem que se proteger. A jaqueta cobriu minhas costas, as botas protegeram as minhas pernas que ficaram embaixo do motor. Elas poderiam ter sido queimadas. Enfim, foi um momento delicado da viagem, muito rápido, mas não teve nenhuma grande consequência. Foi só tirar o barro da roupa, diminuir um pouco a adrenalina e seguir viagem.
Você passou por diferentes terrenos e climas. Como preparar a moto e o seu equipamento pessoal?
A moto por si só já é feita para suportar temperaturas de -30ºC a 50°C. O importante é que o seu equipamento pessoal seja versátil e te proteja na chuva, frio e calor. O que eu usava era feito em várias camadas. A medida que as temperaturas iam mudando, eu ia tirando as camadas para suportar essas diferenças.
Como se dividir entre as viagens e a família? Eles sempre lhe deram apoio?
Tenho a sorte de ter uma esposa, a Graça, que me acompanha durante toda a vida. Ela sempre entendeu e incentivou meu sonho de andar pelo mundo, e compreendeu minha inquietude. Sem as parceiras, os motociclistas ficam sem direção.
Você mesmo afirmou que o livro não é apenas um diário de viagem. O que ele tem a mais?
O livro é a reflexão de um motoqueiro, é a minha forma de ver e explicar o mundo para as pessoas que não têm o privilégio de viajar como eu tenho. Esse livro se dirige às pessoas que querem e gostam de sonhar. Sempre podemos ter um sonho ao alcance da mão. Você pode, sim, comprar uma pequena moto e fazer uma viagem entre amigos até Gramado no final de semana. Tenho certeza que você começará a tua semana de outra forma. Eu viajo de moto, mas tampouco faço apologia a ela como um único meio de se fazer viagens. Ela é simplesmente a maneira que eu encontrei de ser feliz. A moto, a viagem e a minha família são a minha alegria.
E vem mais viagens por ai?
Este ano, em julho, pretendo ir à Islândia, onde estive em 2013. É um lugar muito bonito. Serão 6 mil km, mas a viagem é toda feita em estradas cobertas por campos de lava, lugares onde as cinzas dos vulcões, muito comuns no país, se misturaram com a paisagem.
E mais um livro?
Esse último foi uma coletânea de 50 crônicas que eu fiz durante a viagem. Eu tenho material de outras viagens para publicar um novo livro, mas vamos ver como as pessoas apreciam esse. Depois pensamos em outro.
Ouça entrevista com Ricardo Lugris na Rádio Gaúcha: