Pedir demissão, vender o apartamento, abrir mão do conforto e da convivência com a família. Foi a escolha do casal formado por Rafaela Vellinho, gaúcha de 32 anos, e Eduardo Brancalion, paulista de 34.
Juntos há 12 anos, eles decidiram, em outubro de 2016, largar tudo e viajar o mundo em uma Land Rover Defender 110, ano 2003, apelidada de Pandora, nome da cachorrinha do casal que ficou em Porto Alegre (clique aqui para acompanhar o diário de viagem no Facebook).
– O momento ideal para fazer isso nunca existe. Sempre achamos que precisamos de mais dinheiro ou queremos trabalhar um pouco mais. Então, tomamos a decisão de que era agora ou nunca – explica Rafaela, que trabalhava como oficial de Justiça antes de pedir exoneração para rodar o mundo.
O planejamento do casal durou oito meses. Eles embarcaram no final de julho com o objetivo de conhecer os cinco continentes em um período de três anos. A escolha do carro como meio de transporte traduz a ideia de ter um porto-seguro durante a viagem.
Pensando nisso, Pandora foi adaptada para oferecer a maior comodidade possível. O veículo conta com geladeira, mesa para refeição, armários e baús para armazenar mantimentos, utensílios e roupas, sofá que vira uma cama e tomadas para carregar a bateria dos celulares e do computador. O investimento foi de R$ 20 mil.
– Colocamos isolamento térmico por causa do frio e cortinas blackout para dormir. Instalamos um sistema de água potável. Embaixo do carro, levamos galões. Se fôssemos comprar água, gastaríamos muito. Dormimos e cozinhamos no carro, o que reduz bastante os custos – diz Eduardo.
Em pouco mais de quatro meses de viagem, foram 20 países visitados, 16,7 mil quilômetros rodados de carro, 1,8 mil litros de combustível e 942 quilômetros percorridos a pé. Eles dormiram 93 dias em apartamentos ou pensões, 36 dentro do carro, 28 em campings e outros 21 na casa de amigos.
– Uma vez ouvi a seguinte frase: "Várias pessoas vivem o mesmo dia diversas vezes". Nós somos pegos pelo rotina e vemos os dias, os meses e os anos voarem. Acho que viajar é uma maneira incrível de vivenciar a vida: de evoluir, de conhecer, de experimentar e de aprender – comenta Rafaela.
Desde o começo de dezembro, o casal explora as belezas naturais de Montenegro, pequeno país do sudeste da Europa localizado às margens do Mar Adriático. Na última semana, eles chegaram à Bósnia.
Até essa etapa da viagem, o país que mais encantou a dupla foi a Noruega. Durante uma visita ao arquipélago Lofoten Islands, que fica próximo ao Círculo Polar Ártico, eles foram surpreendidos pelas luzes da Aurora Boreal.
– O que é unânime entre nós é que o lugar mais incrível até agora é a Noruega. Ficamos apaixonados! É um país que, apesar de caro para os viajantes, tem uma beleza natural incrível. São fiordes, montanhas, rios e cachoeiras. Quando estávamos em Lofoten Islands, fomos agraciados pela Aurora Boreal. Estávamos fazendo um churrasco quando percebemos a dança magnética das luzes no céu – relembra Eduardo.
Sobre os perrengues, o casal considera estar praticamente ilesos para quatro meses de viagem. No entanto, Rafaela relembra um susto vivido na Croácia:
– Nós fizemos uma visita ao Parque Nacional dos Lagos Plitvice. Caminhamos por toda a extensão do local e pretendíamos voltar com a linha de ônibus que tem dentro do parque. Porém, perdemos o horário do ônibus e tivemos de voltar a pé. Foram duas horas de caminhada numa escuridão, contando apenas com uma lanterna de cabeça com a pilha fraca e podendo ser surpreendidos por ursos e lobos.
Pernada pela Europa
Utilizar um carro é só uma das formas de viajar pelo mundo. O gaúcho de Ijuí Matias Tartieri, 33 anos, optou por cruzar a Europa caminhando. Em maio, ele deixou a esposa em Joinville, cidade onde vivia em Santa Catarina, e viajou para Istambul, na Turquia, para começar uma viagem cujo destino final é a cidade de Porto, em Portugal. O desafio é não usar nenhum meio de transporte durante a empreitada.
– As regras são simples: não posso usar nenhuma forma de transporte para seguir a viagem e não posso voltar para casa até chegar ao meu destino final. A ideia de viajar a pé se trata mais de vontade de conhecer a bondade das pessoas do que os lugares – conta Matias, conhecido nas redes sociais como Andarilho Viajante (conheça a página de Matias aqui).
De um total de 7 mil quilômetros, cerca de 3,2 mil já foram percorridos. Ele procura fazer, em média, 35 quilômetros por dia. Para ajudar na empreitada, viaja com um carrinho, batizado de Bucéfalo em homenagem ao cavalo de Alexandre, o Grande (rei da Macedônia entre 336 a.C. e 323 a.C.), mas apelidado de Potro. Nele, o viajante carrega 25 quilos: barraca, saco de dormir, roupas, eletrônicos, kit de ferramentas e um estoque de comida para até seis dias. O gaúcho garante que gasta apenas seis euros por dia:
– Não gasto com hospedagem. Costumo acampar ou conseguir um pouso de graça. Já dormi em igreja, escola e até cemitério. Gasto apenas com comida. Minha janta é sempre macarrão.
Matias não tem previsão para retornar ao Brasil. Depois de cumprir sua missão e chegar até Portugal, ele vai seguir viagem. No Marrocos, na África, vai tentar conseguir um visto para os Estados Unidos. A ideia é iniciar no território norte-americano uma cruzada pelas Américas do Norte, Central e do Sul até retornar a Joinville e reencontrar a mulher, Joceane Kuhnen, 35 anos.
– Quando me conheceu, ela sabia que eu era viciado em viagens – conta Matias. – Mesmo assim, num primeiro momento, ela não reagiu bem. Aí eu relembro que foi avisada de que eu preciso fazer essa viagem. Então, ela admite que estou fazendo o que poucas pessoas fazem e pede para eu aproveitar.
Imersão cultural
Outro brasileiro que largou tudo para conhecer o mundo é o mineiro Mayke Moraes. A meta do mochileiro de 37 anos é conhecer cem países. Ele já visitou 55. Compartilha as aventuras e os perrengues vividos no livro Viajar: Eu Preciso!. Entre as experiências relatadas na obra, está um mergulho com tubarão baleia nas Filipinas e um jogo de futebol com minimonges em um mosteiro de Myanmar (confira o canal de Matias no YouTube aqui).
– Participei de um reality show, visitei o "Templo dos Ratos", nadei no Rio Ganges, na Índia, acampei no deserto do Saara, cruzei a fronteira do Egito com Israel a pé e fui voluntário em um terremoto no México – enumera o viajante, orgulhoso.
Mayke procura ficar de uma a três semanas em cada país. Ele defende que os viajantes façam uma imersão cultural em cada local visitado:
– Procuro sempre me relacionar com os moradores dos países que visito. No meu último mochilão, fiquei 14 meses viajando por 21 países e paguei hospedagem somente três vezes. Ficar na casa dos moradores ajuda a ver a cidade pela perspectiva deles.
Para se organizar, Mayke calcula a quantia em dinheiro que conseguiu juntar e divide pela quantidade de dias que vai ficar na estrada para, assim, estabelecer um limite diário de gastos.
– Essa meta me ajuda a ter um controle, mas sempre deixo uma grana reserva de emergência. Para mim, é essencial ter planejamento. Quanto menos dinheiro eu gasto, mais longa fica a viagem.
Quando precisa de recursos financeiros, Mayke arranja empregos, como pintor, garçom e lavador de pratos. Ele se mantém na função até juntar a quantia necessária e, depois, segue viagem.
No começo de 2018, Mayke vai retomar um mochilão de dois anos pela América. Ele também está finalizando projetos para escrever um segundo livro.
– Antes eu acreditava que nós precisávamos ser ricos para viajar o mundo. Quando tive minha primeira experiência internacional, percebi que era possível fazer tudo isso se eu tivesse foco e planejamento. O mais difícil era ter saído do Brasil. Viajar é minha maior paixão – descreve.