Por Julio Fürst, radialista da Ipanema
A família do radialista Julio Fürst se esforçava para sobreviver às viagens ao litoral em que não havia
cinto de segurança no carro, que ia carregado como se o grupo fosse passar dois anos na praia.
Apenas a leitora Suzana Holeva acertou que a criança na página 23 da Zero Hora de segunda-feira era Julio Fürst.
Era como viajar para o Exterior... de carro.
Aldino, meu pai, tentando encontrar mais uma brecha no porta-malas do Chevrolet 51. Uma montanha de sacolas e tralhas ainda na calçada esperando embarcar - não dá pra levar quase nada! - gritava Célia, minha mãe.
Dois meses na praia... Deveriam ser para sempre. Sem despertador, rotina de colégio, temas de casa e horário para dormir. Isso, sim, é que era vida: acordar ao natural, sentir a maresia, tomar o café da manhã sem camisa, pés descalços, brincando com o cachorro, esperando a hora de entrar no mar...
E lá vamos nós pegando a estrada a bordo do Chevrolet 51, absolutamente lotado com bagagem para passar "dois anos" na praia. Alguma coisa ainda poderia ser esquecida, mas a minha Galena, que ganhei do tio Luís da Varig, o melhor daquele Natal, estava lá garantida na bagagem de mão.
Destino: praia de Cidreira - outro dia, lendo a ZH, descobri que Jorge Furtado foi meu vizinho de verão -, meu pai dirigindo, tentando ouvir alguma notícia no rádio, bombardeado pelos pitacos da Célia: "Cuidado! Olha a distância do carro da frente, não arrisca... Não vai dar para passar! Viu o acidente ontem no jornal? Uma família inteira..."
Era uma espécie de conscientização na base da pressão.
Eu e meu irmão mais velho, Luis Carlos, no banco de trás, calados, tensos, sentindo o perigo iminente... Carro lotado, excesso de peso, estrada estreita, sinuosa, visibilidade prejudicada pela chuva... A mãe tinha razão. Ainda tinha o bebê, Paulo Roberto. Cintos de segurança? Airbag? Pura ficção. Rezar nunca é demais... Que o nosso piloto conseguisse aguentar o tirão.
Chegamos! O sinal da cruz para agradecer a Deus por mais uma jornada.
O chalé de madeira estava lá, aguardando, em meio aos cômoros de areia fina e branca, terrível nos dias de Nordestão. Bom, nem tudo é perfeito, e aquele era o nosso pequeno paraíso.
Outro país. Tudo diferente. Gente nova. Um mundo a desbravar ao longo de muitos e longos dias.
Começam as férias. É só diversão. Corridas e cambalhotas na beira da praia, pescaria, a imensidão do oceano se perdendo no horizonte, mariscos, caramujos e conchas para colar no ouvido e escutar o som dos mares invisíveis.
Quanta coisa divertida e diferente para se fazer. Aquilo, sim, é que era vida para criança. Brincar de mocinho e bandido, encenando o Roy Rogers num dialeto que só os participantes entendiam. Andar de bicicleta sem perigos de trânsito e pegar carona nas carrocinhas puxadas por bodes. Sonhos, sorvetes, Coca-cola...
Quanta coisa para se inventar até o final do dia. Deitar na rede do alpendre. Sensação de liberdade, cheiro de maresia. Flashbacks já lembrados com detalhes por outros convidados desta página - até a noite chegar - e aí, banho, jantar e cama.
Sabe quem é a pessoa na foto? Clique e dê seu palpite! A resposta será publicada na ZH de quarta-feira.