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Criar comunidade para fortalecimento e contar a história pela voz delas. Esses são os principais objetivos do documentário Hip Hop de Gaúcha – Episódio 1: Elemento Rap, lançado na última quinta-feira (25), no Museu da Cultura Hip Hop RS. O curta-metragem de pouco mais de 12 minutos conta a história das rappers do RS que são referências no gênero: Carla Zhammp, Negra Jaque e Tia Crazy.
– Esse projeto diz: “Ó, a gente está aqui, existindo e resistindo”. Nos últimos 40, 50 anos fomos invisibilizadas, mas não estamos mais – afirma a produtora, educadora popular e ativista audiovisual, Maria Clara Soares Viegas.
A ideia é que esse seja apenas o primeiro episódio de uma série, a qual será dividida pelos elementos que compõem a cultura: grafite, DJ, breakdance, conhecimento e MC (rapper). Sempre sob a perspectiva feminina.
– Quero que o documentário sirva para níveis de discussão de movimento social, de pensar cultura e políticas públicas para mulheres – disse Maria.
A produção
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Mesmo que as mulheres tenham conquistado mais espaço na sociedade, foi difícil encontrar artistas que ainda estivessem ativas, segundo Maria. Ela explica que isso acontece por muitos motivos, tais como a falta de oportunidade e de reconhecimento, a obrigação em assumir posições ainda consideradas “femininas”, entre outros fatores:
– No fim, essas mulheres viraram trabalhadoras, fazem papéis de cuidados dentro de casa, não conseguiram continuar no hip hop.
Pioneira no “axé da fala”
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Carla Zhammp, da dupla Zhammp, é uma verdadeira história viva do hip hop do Estado. Nos anos 1990 representou o rap gaúcho em nível nacional e serviu de inspiração para quem veio depois. Na época, ela afirma que pouquíssimas mulheres atuavam no meio, seja na dança – onde ela iniciou – ou em qualquer outro elemento da cultura.
– A gente virou febre e isso foi muito importante, porque, quando viajamos o país para fazer shows, as pessoas não imaginavam que tinha mulheres pretas cantando – afirma a educadora social, rapper e coordenadora-geral do Museu do Hip Hop do RS.
Toda a trajetória de Carla foi construída no hip hop, o qual ela acredita ser um instrumento potente para a educação. Orgulhosa do caminho que trilhou e conquistas que teve nos seus quase 50 anos de vida, com os olhos brilhando, ela afirma:
– Eu sempre quis ser o que eu sou. Minha trajetória na cultura confirma isso. Mas a palavra é “insistência”. Tive que insistir muito para permanecer.
Ocupando novos espaços
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Com uma voz inconfundível, Negra Jaque traz em sua rima a força que uma mulher negra tem para enfrentar a vida. Referência quando se fala em rap gaúcho, se destacou na década de 2010 e fez história ao se tornar a primeira mulher a vencer a Batalha do Mercado, tradicional evento de hip hop da Região Metropolitana.
A artista afirma, em parte do documentário, que se comparar sua carreira de cerca de 20 anos com a de um homem com o mesmo tempo de estrada, o número de conquistas não chega nem perto. Durante entrevista com a coluna, ela também tocou no assunto de equiparação e disse que essa diferença ocorre principalmente pela falta de oportunidade e alcance de trabalho.
– Melhorou (historicamente), mas ainda não está na porcentagem que necessita. Estamos caminhando para isso. A luta das mulheres é contínua – finaliza.
Representante do hoje
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Quem ouve a potência e o recado das letras de Tia Crazy nem imagina que a timidez é uma de suas características pessoais. No documentário, foi a escolhida para representar o “hoje”, compartilhando as conquistas e desafios das rappers.
Integrante do Conexão Katrina, iniciou no rap após um convite. Porém, antes disso, era a poesia a forma com que ela se expressava.
– A Nathy (também conhecida como Poeta Desperta) viu minhas poesias e disse que eu já escrevia na métrica do rap. Eu nem sabia que existia isso. Aí ela começou a me ensinar algumas coisas, de como encaixar no beat, aquecimento de voz... Fiz meu primeiro show no Ocidente e desde então não parei mais – conta.
Para Tia Crazy, a representatividade feminina é importante tanto para mostrar às outras mulheres que elas podem ocupar qualquer espaço, quanto para ajudar ouvintes que se identificam com as rimas.
Afinal, só uma mulher sabe e entende verdadeiramente a dor e a delícia de ser o “sexo frágil”.
O que o documentário representa para elas
/// Carla: “É um instrumento para dar visibilidade, falar que as mulheres do rap no Sul existem... É uma arma contra todo apagamento das mulheres e dos pretos e pretas.”
/// Negra Jaque: “É uma oportunidade de criar as nossas narrativas do nosso jeito... poder contar as nossas histórias com as nossas memórias.”
/// Tia Crazy: “Descobrir as histórias dessas mulheres dentro do rap é muito difícil, porque a maior parte não é gravada e documentada como é dos caras. Essa é uma ferramenta contra isso.”
A produção e direção do curta é de, além de Maria, da rapper e educadora da cultura Nathy Mc, e da artista visual Ali Cores, com realização do Alvo Cultural. O documentário está disponível no canal do YouTube AlvoCast.