As escolas com alunos mais pobres do país têm mais rotatividade no quadro de professores, menos alunos interessados nas vagas existentes e diretores menos experientes, com menor salário em relação a outros colégios. É o que aponta um estudo inédito produzido pela Fundação Lemann, com base em respostas dadas pelos diretores aos questionários da Prova Brasil de 2015, avaliação nacional mais recente que mede o desempenho dos colégios brasileiros.
Em 80% das escolas de nível socioeconômico (NSE) muito baixo sobram vagas de alunos depois do processo de matrícula. Do lado oposto, nas de NSE muito alto, só 13% têm sobra de vagas, segundo os diretores.
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O NSE é calculado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC), com base nas informações fornecidas pelos estudantes em questionários. É dividido em sete níveis: muito baixo, baixo, médio baixo, médio, médio alto, alto e muito alto, determinados conforme a escolaridade dos pais e bens disponíveis em casa, como televisão.
Estabilidade
O estudo aponta ainda que, entre os professores, falta estabilidade: das escolas de nível muito baixo 30%, no máximo, tem 1/4 do quadro docente estável, ou seja, contratado por meio de concurso. No nível baixo, 21% das escolas têm o problema, que cai para 2% nas de nível alto ou muito alto.
Na cidade de São Paulo, as duas escolas com menor nível socioeconômico ficam no distrito de Parelheiros, no extremo sul da Capital e, em ambas, a maioria dos professores não é efetiva. Na Escola Estadual Rossine Guarnieri, dos 13 docentes, apenas cinco são efetivos - 38,4% do total. Em 2016, a unidade teve uma queda no desempenho no Saresp - avaliação anual feita pelo governo estadual. A proporção de alunos do 5º ano que tinha conhecimento considerado adequado em português caiu de 48,5% para 39,1% e, em matemática, de 31,3% para 27,4%.
Na Escola Estadual Professora Renata Menezes dos Santos, a proporção de efetivos é ainda menor - apenas 2 dos 22 docentes. Segundo os professores, a unidade já tinha dificuldade em atrair efetivos por ser muito longe e de difícil acesso, já que fica em um local sem rua asfaltada. A situação foi agravada depois que a unidade pegou fogo em 2014 e alunos e funcionários foram alocados em outro colégio estadual da região.
– A nossa unidade já ficava longe, são duas horas de ônibus do Terminal Santo Amaro (na Zona Sul), por isso não atraía muitos professores. Depois do incêndio, nos colocaram em uma escola ainda mais longe, que ficou apertada para todos os alunos e tem uma estrutura precária. As salas têm goteira e, há um mês, um pedaço do teto caiu em uma delas – disse Amadeusa Portella, professora da escola há quase 20 anos.
Segundo Amadeusa, desde a mudança para a unidade provisória, os alunos e professores ficaram desestimulados.
– Aquela era a nossa escola, nós tínhamos nossos projetos, nossos espaços e os alunos se reconheciam ali. Tínhamos até lousa digital, que foi queimada no incêndio. Perdemos tudo – disse.
O desempenho da escola no Saresp caiu de 2015 para 2016. A proporção de alunos do 5º ano que tinha conhecimento considerado adequado em Português caiu de 55,2% para 28,2% e, em Matemática, de 49,1% para 27,6%.
Diretores
Mesmo os diretores enfrentam a desigualdade da rede. A maioria dos profissionais que atendem as escolas mais pobres (56%) está formada há, no máximo, sete anos, enquanto que nas unidades de NSE alto este porcentual é de 10%. Com relação aos salários, 49% dos diretores de escolas mais pobres recebem até R$ 2.364, ante só 7% com essa remuneração máxima no NSE alto. Outro problema apontado pelos diretores é a falta de pessoal de apoio pedagógico: 21% dos diretores das escolas mais pobres destacaram a situação, ante 8% nas mais ricas.