Um repórter do jornal britânico The Times criou, no mês passado, um perfil falso no Facebook para investigar a existência de conteúdo pornográfico e/ou de apologia ao terrorismo na rede social. Deparou com dezenas de imagens, incluindo cartuns com conteúdo pedófilo, uma decapitação realizada pelo Estado Islâmico, pôsteres comemorando atentados terroristas recentes e até mesmo um vídeo que parece mostrar uma criança sendo submetida a violência sexual.
A reportagem resultante da apuração do Times, publicada na última quinta-feira, gerou grande repercussão internacional e despertou temores em relação às fragilidades das plataformas digitais. Durante sua investigação, o repórter conseguiu fazer amizade com mais de 100 apoiantes do Estado Islâmico e entrar em diferentes grupos dedicados à promoção de imagens pornográficas de crianças. Conforme a reportagem, o algoritmo da rede social inclusive promovia os conteúdos ofensivos, sugerindo ao usuário integrar-se a grupos e perfis que os publicavam.
Quando o perfil criado pelo jornalista comunicou a situação ao Facebook, algumas imagens foram removidas, mas muitas outras continuaram no site, sob a alegação de que não feriam os padrões da rede social. O diário britânico comunicou o fato à polícia e à Agência Nacional do Crime, prometendo fornecer as evidências colhidas durante a apuração. Conforme especialistas ouvidos pelo Times, o Facebook corre o risco de ser processado criminalmente por recusar-se a remover conteúdos de apologia ao terrorismo e de pornografia infantil.
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Após a publicação da reportagem, o Facebook pediu desculpas, removeu os conteúdos polêmicos e atribuiu o problema a "falha humana". O vice-presidente de operações globais, Justin Osofsky, afirmou que as imagens em questão "violam nossas políticas e não têm lugar no Facebook".
O episódio forneceu combustível extra para o acalorado debate sobre o papel das redes sociais na divulgação de informações falsas ou conteúdos danosos, com potencial para propagar e estimular o crime. O diretor executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Ricardo Pedreira, por exemplo, entende que a reportagem do Times revelou "fragilidades preocupantes":
– Ela mostra a disseminação de mensagens de pedofilia e de terrorismo, o que se soma a outro problema das redes sociais, especificamente do Facebook, que é a disseminação de informações falsas, boatos, mentiras de toda a forma, coisas distorcidas. E essas redes sociais parecem que pretendem atuar sem respeitar legislações. A gente tem visto já um movimento forte dos grandes anunciantes globais, preocupados com isso, por ter suas marcas associadas a um ambiente onde trafegam mensagens terroristas, conteúdo de pedofilia e também informações falsas. É importante que se contraponha a essa fragilidade das redes o papel dos produtores de conteúdo de qualidade, de jornalismo, como jornais, revistas, emissoras de TV e de rádio, que representam exatamente o oposto dessa terra de ninguém que são as redes sociais.
Polícia brasileira faz críticas e alertas
Conforme o delegado Arthur Raldi, responsável pela Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos do Rio Grande do Sul, a presença de conteúdo extremista ou relacionado à pedofilia nas redes gera preocupação pela facilidade de qualquer pessoa ter acesso a tais materiais.
– Com relação ao extremismo, sem dúvida que a presença desse conteúdo contribui para crimes, porque uma pessoa que tem essas ideias pode ter acesso a informações pela rede social. E, na pedofilia, pode fazer com que as pessoas produzam novos vídeos, para trocar por outros – diz o delegado.
Raldi afirma que a experiência é de dificuldade para que tais materiais sejam removidos da rede, quando identificados pela polícia:
– A gente faz a solicitação ao Facebook, mas eles dificilmente atendem. Normalmente, precisamos de uma decisão judicial para a retirada, e mesmo assim demora um tempo considerável. Os representantes do Facebook no Brasil, quando se consegue contato com eles, dizem que vão dar andamento, mas isso demora semanas. Não é uma colaboração na velocidade que deveria ser. Enquanto isso, as pessoas continuam tendo acesso.
O presidente da organização SaferNet Brasil, Thiago Tavares, observa que existe hoje uma tecnologia, adotada pelo próprio Facebook, que detecta e impede novos uploads de uma determinada imagem já identificada. Segundo ele, essa ferramenta ajudou a reduzir a distribuição de pornografia infantil. Imagens novas, que nunca haviam circulado na internet, porém, não são detectadas. Para que sejam incluídas na base, é necessário uma denúncia e a avaliação por seres humanos.
– Todo algoritmo tem limitações, nenhum filtro é 100% eficiente. No caso de mensagens escritas é muito mais difícil ainda, porque o limiar entre o que é legal e ilegal, o que é liberdade de expressão e manifestação de ódio, não é simples. Tem de ocorrer uma avaliação, e mesmo assim em muitos casos a avaliação será subjetiva – diz Tavares.
Justin Osofsky, do Facebook, prometeu que a empresa trabalhará "arduamente para manter os elevados padrões de integridade que as pessoas esperam do Facebook".
Na semana passada, na Operação Acervo Proibido, a Polícia Federal prendeu seis pessoas por envolvimento em pedofilia. O coordenador da operação, delegado Valdemar Latance Neto, da PF de Sorocaba (SP), disse que uma das imagens trocadas entre os pedófilos havia sido retirada do Facebook:
– Era uma foto de uma menina de oito anos com saia curta, que não parece ter problema, mas aos olhos do pedófilo ganha outra conotação. Os pais têm de saber que uma foto do filho, para eles inocente, pode ser usada como moeda de troca nesse submundo.