Quando a porta do número 853 da Avenida Doutor Laerte Vieira Gonçalves, em Uberlândia (MG), se abre, o visitante pode achar que está numa tradicional casa de boneca: o cor-de-rosa toma conta das paredes, das mesas, dos móveis, dos utensílios e dos uniformes. A cor só alterna com o branco e com o dourado presente nas coroas. Na mesa de chá ao fundo, jogo de chá completo com estampas florais e guardanapos decorados. Bem-vindo à Escola de Princesas.
Fundada em 2013 pela psicopedagoga Nathalia de Mesquita, a ideia veio de um sonho, literalmente.
– Numa noite eu tive um sonho que eu trabalhava numa escola de princesas, e eu achei aquilo maravilhoso, achei um lugar diferente, eu pensava: "Se eu tivesse uma filha, era isso que eu gostaria de ensinar para ela". No dia seguinte, eu comentei com meu marido e, como ele tem uma visão empreendedora, por que não? E como eu gosto de desafios, comecei a pesquisar e vi que havia a possibilidade. Embora fosse algo inédito, não sabia da aceitação, a gente abriu. E foi um sucesso – contou a fundadora ao E+.
Lá, o curso tradicional de três meses ensina meninas de quatro a 15 anos desde os valores de uma princesa – como humildade, solidariedade e bondade – e como arrumar o cabelo e se maquiar até regras de etiqueta, de culinária e como organizar a casa. As aulas são ministradas por profissionais diversos, entre cabeleireiros, cozinheiras, nutricionistas e psicólogos.
Num Chá de Princesas realizado em nossa visita na escola, as meninas, todas vestidas com camisetas polo brancas com golas cor-de-rosa e saias na mesma cor, aprendem todos os detalhes de como se portar à mesa.
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"Ou a gente põe a mão no colo, ou pode permanecer com a mão na mesa. O cotovelo, nunca", é uma das regras básicas que as meninas aprendem, além de saber até como mover os dedos ao pegar numa xícara e como usar um guardanapo – que não foge à regra e tem a mesma cor onipresente no local.
"O sonho de toda menina é tornar-se uma princesa" é o mote da escola, que recebe críticas por ser, supostamente, um retrocesso ao ensinar tarefas domésticas apenas para meninas, como se ensinasse que lugar de mulher é na cozinha. Mas a fundadora discorda, e acredita que quem pensa assim não conhece a real proposta do local.
– A gente pega pelos depoimentos das mães: a prova delas é em casa, então eu quero que as mamães falem como está sendo lá fora, porque a minha expectativa é que elas reproduzam o que aprendem aqui lá fora, que ela seja uma grande mulher, que consiga superar os desafios. Aqui a gente brinca assim: "Tô saindo para uma festa, o botão da minha roupa caiu, vou desesperar?" Não! Opa, vou lá, cato uma agulha, em dois minutos prego um botão e pronto, resolvi o problema. Não vou pedir para a mãe, não vou chorar, não vou trocar de roupa por causa disso. A nossa expectativa é que elas sejam grandes mulheres, grandes empresárias, quem sabe uma que tá sentada aqui, amanhã, não vai ser a presidente do Brasil? Que vai ter uma cabeça e pensar: "Eu sei lidar com qualquer situação." – explica Nathalia.
Ela continua dizendo que espera que as "princesas" ali possam ser mulheres completas em todos os aspectos.
– Hoje em dia a gente vê que ou uma mulher só é focada em trabalho, carreira, e toda essa parte da família, das coisas do dia a dia, ficou para trás; ou às vezes a mulher a mulher só fica nessa de "vou ser uma boa mãe, uma boa esposa", e sacrifica a carreira e a parte acadêmica. E por que uma mulher não pode ser completa? Por que eu tenho de abrir mão da minha carreira para ser mãe? Ela pode ser mãe, ela pode ter a carreira dela, ela pode ser dona de casa, ela pode ser o que ela quiser.
O discurso esbarra no fato de que a escola não aceita meninos. Mesmo assim, diz defender o ideal de direitos igualitários entre os gêneros. A mãe de uma das alunas, a pedagoga Lidiane de Melo Nicurgo, acredita que há um "movimento de mulheres que querem direitos iguais", mas ela acredita em "papéis diferentes". Isso porque, mesmo "em tempos em que a mulher trabalha fora", ela ainda tem que "desenvolver em casa outras funções, ela [a mulher] tem a maternidade, a função de parceira do trabalho, tem etiqueta, roupa de cama, comida para fazer em casa". Lidiane acredita que a escola contribui para que sua filha "divida essas tarefas de forma mais leve" com o parceiro.
A proposta de criar "princesas independentes" ainda se confunde com o resgate de certos costumes antigos.
– Hoje os pais identificam a escola de princesas como um apoio à família, aquilo que se perdeu ao longo do tempo. A vovó ensinava para a mamãe, a mamãe nos ensinou e hoje a gente não tem mais esse tempo, porque a gente saiu para o mercado de trabalho, vieram vários fatores, então a gente não senta mais com a nossa filha e fala como ela deve arrumar a gaveta, como fazer um arroz – conta a fundadora.
Além disso, toda a atmosfera cor-de-rosa e a feminilidade exaltada pelo local remetem a um estereótipo feminino que vem sendo tão combatido. Mesquita conta que sempre há uma pergunta nas aulas: "Como seria um mundo sem as mulheres?" E, todas as vezes, todas as meninas falam: "Seria muito triste, não teria cores".
– Para ter essa ideia de que tem coisa que é da mulher. Na visão de todas as meninas que vem aqui, elas falam que "não teria rosa, não teria essa doçura, essa delicadeza" – acredita.
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Príncipe encantado
Mas o que desperta a vontade das pequenas "princesas" de conhecer a escola é mesmo a "fantasia" de ser uma princesa. Durante uma aula de etiqueta à mesa, o chá das princesas, as meninas, de oito a dez anos, contam que suas princesas favoritas são da Disney. Uma prefere a Aurora, de A Bela Adormecida, enquanto outra prefere a Bela, de A Bela e a Fera.
Gabriela, de nove anos, acredita, porém, que uma verdadeira princesa não precisa de adereços:
– Você não precisa de coroa nem vestido, você precisa ser boa, ser gentil, tem que ajudar o próximo, não pode pensar em si mesma, tem que pensar no próximo –, e ainda acredita que nem sempre é necessário um príncipe.
Por falar em príncipe, os relacionamentos amorosos são temas frequentes das aulas com meninas mais velhas. Uma princesa deveria esperar pelo príncipe encantado?
– Sempre tem a pergunta, elas estão naquela idade da curiosidade, que é cada vez mais cedo. Essa geração gosta das coisas muito rápidas, e não tem muito compromisso, é o ficar por ficar, experimentar sensações novas, e isso pode ser um perigo – diz a fundadora.
Os perigos, ela explica, vão desde à gravidez indesejada e doenças sexualmente transmissíveis até "consequências sociais".
– A gente fala aqui que, quando a gente come uma fruta verde, ela não é tão saborosa como quando ela é madura, porque ela não esperou. Tudo o que é mais esperado é mais gostoso. A gente tenta levar esse conceito mesmo de saber se guardar – conta a criadora da escola.
Assim, a psicopedagoga acredita que as meninas devem se "privar" para evitar a imagem ruim para os meninos.
– Eu tenho um filho adolescente e às vezes ele fala: "Mãe, aquela menina tá superfalada, ninguém mais quer ficar com ela". ê uma menina de 14 anos. Ainda existe esse preconceito, por mais que a gente já tenha conquistado nosso espaço, é diferente. O homem pode fazer o que quiser e nunca vai ser rotulado, mas a mulher ainda vai – relata.
Por fim, ela se defende:
– Se ela quiser, lógico, ela é livre, aqui nada é imposto. Mas o tempo todo a gente deixa ciente que todas as escolhas tem as consequências. Então a gente trabalha nesse sentido a questão do relacionamento.
Franquia
A escola surgiu em Uberlândia, mas alguns anos depois se expandiu para outras cidades de Minas Gerais, como Uberaba e Belo Horizonte, e iniciou o sistema de franquias. No final deste mês, a escola vai inaugurar uma filial em São Paulo, na Avenida Indianópolis, em Moema. A responsável por trazer a instituição para a capital paulista é Silvia Abravanel, filha de Silvio Santos.