IMAGENS: ANDRÉ ÁVILA
SOB A AMEAÇA DE UMA FACA E DO HIV
Jardim Carvalho, 8/6/2012 – Em uma noite de sexta-feira, uma mulher de 28 anos foi estuprada pelo homem de quem havia se separado três meses antes. Com uma faca na mão, o ex-companheiro, um dependente químico soropositivo, avisou: transariam até que ele lhe transmitisse o vírus HIV.
– Ou vou abrir um talho na tua cara – ameaçou.
Uma perícia policial atestou os ferimentos que a mulher sofreu em uma das mãos. Mas nunca se pediu o exame que poderia auxiliar na comprovação do estupro. Em outubro de 2015, o suspeito foi indiciado por lesão corporal. O processo tramita em um Juizado de Violência Doméstica e Familiar.
SOB AMEAÇA DA SODA CÁUSTICA
Bairro Farrapos, 22/5/2013 – Nem havia amanhecido quando a mulher foi despertada por um chamado à porta. Era seu ex-marido, que, três anos antes, havia sido preso por agredi-la. Segundo ela, ele trazia em mãos uma lata com um líquido branco. Disse ser soda cáustica, substância conhecida pelo efeito corrosivo sobre a pele, que seria lançada sobre ela caso se recusasse a acompanhá-lo até a sua casa.
Mantida em cárcere privado e ameaçada com uma faca, foi forçada a fazer sexo. Horas depois, o agressor pegou no sono. Ela conseguiu escapar pela porta da frente.
A mulher denunciou o agressor à polícia, que o indiciou pelo estupro. O processo judicial está arquivado há dois meses. ZH não teve acesso à decisão porque a ação está sob segredo de Justiça.
A CADEIRANTE COM PARALISIA CEREBRAL
Farroupilha, 15/1/2014 – Profissionais de um centro de reabilitação suspeitaram do comportamento anormal de uma aluna de 19 anos, cadeirante e com paralisia cerebral. Andava chorosa e agressiva. Com gestos e algumas palavras, contou a uma fisioterapeuta que o tio havia tocado em suas partes íntimas.
Os relatos, que se repetiam por dias, motivaram uma conversa com a avó da jovem, responsável pela tutela. Mas a idosa deixou o educandário irritada, e nenhuma providência foi tomada.
Preocupada com a situação, a direção da instituição escreveu um pedido de ajuda ao Ministério Público. Foi registrado um boletim de ocorrência, e a promotoria solicitou que a polícia investigasse a denúncia.
Em depoimento, avó e tio disseram que a jovem costumava mentir e havia fantasiado uma história semelhante com o pai anos antes. Como exames não atestaram a violência sexual, a polícia decidiu marcar uma avaliação psiquiátrica da suposta vítima. Mas ninguém apareceu no dia marcado.
Diante da impossibilidade de comprovar a suspeita, a polícia concluiu o inquérito, em março do ano passado, sem indiciar o tio.
SEPARADOS NA MESMA CASA
Rubem Berta, 24/3/2014 – O casal estava separado havia um mês. Como a mulher não tinha outro lugar para morar com o filho de dois anos, via-se obrigada a dividir o mesmo teto com o ex-companheiro.
Durante uma madrugada, o homem teria invadido o quarto onde ela dormia e a estuprado.
Depois da violência, a mulher se trancou no banheiro. Quando já era dia, procurou atendimento médico em um posto de saúde e prestou queixa na delegacia. A perícia não indicou o estupro, o que levou a polícia a finalizar o inquérito sem indiciar o suspeito.
A QUARTA OCORRÊNCIA POLICIAL
Cavalhada, 8/10/2014 – O ex-companheiro apareceu na casa da mulher às 3h e pediu que ela abrisse a porta. Com medo, ela obedeceu. Assim que o recebeu, ele sentenciou que iria matá-la. Disse que ela não teria outro relacionamento na vida e começou a dar-lhe socos no rosto e pontapés na barriga. Até que ela desmaiou.
A mulher acordou sobre a cama, nua, com o lençol coberto de sangue. O homem a estuprou duas vezes, e ela desmaiou novamente.
Quando despertou, já era dia. Os olhos estavam fechados pelo inchaço provocado pelos golpes e tinha um corte profundo na testa. No local, estava o seu pai. Ele havia pedido socorro e, em seguida, a filha seria resgatada pela Brigada Militar e pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
A mulher já havia registrado ocorrência contra o homem em 2011, em 2013 e novamente em 2014. A cada novo delito, o ex-companheiro se tornava mais agressivo. Foi pedida a sua prisão, o que nunca se cumpriu porque ele desapareceu. O homem está indiciado por estupro, e o processo judicial está suspenso até que ele seja localizado.
O AMIGO
Restinga, 25/12/2014 – Na noite de Natal, o homem apareceu na casa de uma amiga, que lhe recebeu com café e pizza. Ela havia tomado dois ansiolíticos, sentia-se sonolenta. Avisou que ele não poderia se estender. No sofá, ele repousou a cabeça sobre o seu ombro, e a mulher adormeceu.
Era dia quando despertou. Ainda tonta pelo efeito dos remédios, percebeu que tinha as pernas e a bermuda sujas de sêmen. Foi quando lembrou-se de passagens da noite anterior. A vítima procurou a polícia quatro dias depois, chorando.
O homem alegou, em depoimento, que o sexo foi consentido. Em um áudio enviado para a amiga pelo WhatsApp, disse ter pensado que ela não estivesse dormindo porque seria impossível "fazer o que fizeram" sem que ela acordasse. Pediu desculpas.
A polícia decidiu responsabilizá-lo pelo ocorrido, mas, em dezembro, a Justiça acolheu pedido do Ministério Público que determinava o arquivamento porque "não havia pressupostos suficientes para oferecer denúncia".
DESVIO DE ROTA
Campo da Tuca, 5/6/2015 – Em uma sexta-feira, uma jovem saía de um churrasco na casa da avó materna para comprar mais cerveja. Foi acompanhada de um colega de trabalho do pai. Na volta, o homem ofereceu carona de moto. Ele desviou o trajeto e a estuprou em um matagal. Aos 18 anos, a vítima perdia a virgindade em uma agressão sexual.
Recolhido ao Presídio Central em flagrante, o homem cumpriu cinco meses de prisão preventiva até ter liberdade provisória concedida. O processo está em andamento na Justiça, e uma segunda audiência está marcada para novembro.
MEDO E DESABAFO
Tristeza, 1º/7/2015 – Em um fim de tarde, uma mulher de 48 anos recém deixara o serviço quando o ex-companheiro a surpreendeu em meio ao caminho para casa. O homem a arrastou para dentro do Fusca que dirigia, deu-lhe tapas no rosto e anunciou:
– Agora vou te comer pra ver se tu não deu pra mais ninguém.
Ele estacionou junto de um matagal e, próximo de um amontoado de lixo, estuprou a mãe de seus quatro filhos. Com o cinto da calça enrolado no pescoço da ex-mulher, o homem ameaçava matá-la. Ao fim da agressão, ela vomitou.
O homem tinha um histórico de violência contra a mulher, e o atestado da perícia de que houve estupro motivou a polícia a pedir a prisão preventiva. O criminoso ficou 25 dias no Presídio Central. Agora, responde ao processo em liberdade.
A mulher agredida, traumatizada, prefere evitar o assunto a reviver a dor em palavras. Em um primeiro momento, havia concordado em conceder uma entrevista. Na data marcada, não apareceu. Dias depois, em uma breve ligação, explicou que pensara melhor e achou por bem não falar.
Antes de se despedir, a mulher desabafou:
– Procuro nem saber mais nada. Nem ir ao fórum, nem à delegacia. Pra dizer a verdade, nem sei o que está correndo. Tenho medo de encontrá-lo. Na hora, nem sei o que faria.
O INCESTO
Vila Nova, 23/9/2015 – De madrugada, o plantão policial recebeu uma denúncia de violência doméstica pelo 190. Uma mãe havia descoberto que o filho de 22 anos mantinha um relacionamento íntimo com a irmã, de 15. Diante da reação da mãe, o rapaz a ameaçou de morte.
Como a vítima era uma adolescente, a investigação foi remetida para a Delegacia de Polícia para Crianças e Adolescentes (Deca). Mas a Delegacia da Mulher decidiu indiciá-lo pelas ameaças contra a mãe. O processo está em tramitação na Justiça, e o rapaz, em liberdade.
A desembargadora Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, do Tribunal de Justiça do Estado (TJ-RS), reconhece: há algumas situações que evidenciam a necessidade da prisão, como o risco de a vítima ser constrangida pelo suposto agressor ou o risco de que ele fuja.
– Mas a maioria das pessoas que praticam estupro não têm antecedentes e são aparentes trabalhadoras, então, o juiz costuma entender que não existe motivo para que respondam presas se não houver um risco de interferirem no processo, ameaçarem testemunhas ou a própria vítima. Por isso, respondem soltas – diz a magistrada.
– Esse é o cenário de como investigações de estupro são conduzidas no país. Quando a vítima tem a coragem de buscar os seus direitos na Justiça, ela não tem garantia alguma de que o seu agressor vai ser preso ou de que o inquérito vai levar a uma condenação – aponta Luíse Bello, gerente de conteúdo da ONG feminista Think Olga.
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