IMAGENS: ANDRÉ ÁVILA
NO DIA SEGUINTE
Bom Jesus, 26/7/2013 – Quando denunciou o ex-companheiro por estupro na delegacia, uma jovem de 21 anos relatou que, na noite anterior, o homem havia invadido a sua casa e a violentado.
Ele foi intimado a depor e deu outra versão. Disse que a mulher não concordava com o fim do relacionamento e que ameaçou denunciá-lo por um falso abuso se não reatassem. Um dia depois do depoimento, a jovem voltou à delegacia para retirar a acusação. Tinha descoberto uma gravidez e decidido selar boa convivência com o pai da criança.
A GUARDA DAS CRIANÇAS
Aberta dos Morros, 5/5/2015 – O casal havia rompido o relacionamento de mais de uma década havia seis meses, mas ainda vivia na mesma casa. Segundo a mulher, ele dizia que, caso ela partisse, não levaria a filha de seis anos. A mulher esperava pelo resultado de um pedido de separação e de guarda da criança. Uma audiência estava marcada. Dois dias antes, o marido a teria estuprado. Ela decidiu registrar ocorrência. Mas, na audiência que definiria a guarda da criança, disse que havia denunciado o estupro na tentativa de se favorecer no processo. O casal concordou que a menina moraria com a mãe, e o pai a visitaria aos finais de semana. Com a retratação, o inquérito foi concluído sem indiciamento.
O ASSÉDIO
Cidade Baixa, 22/9/2015 – Uma mulher de 26 anos procurou a polícia para denunciar que havia sido vítima de assédio sexual pelo ex-chefe, dono de um restaurante. O homem teria passado a mão em seu corpo e tentado beijá-la.
Em depoimento, o empresário negou. Disse que demitiu a funcionária depois que ela passou dias sem comparecer ao serviço. Antes, ela teria aparecido no restaurante com machucados pelo corpo e pedido R$ 200 porque precisava sair de casa, fugindo do companheiro. Para o empregador, a dispensa teria motivado a acusação de assédio.
Dois meses depois de registrado o caso, a jovem pediu que a polícia encerrasse a investigação. Ela não gostaria mais de falar a respeito.
33 ANOS DE CASAMENTO
Mario Quintana, 7/11/2015 – Casada há 33 anos, a mulher de 56 denunciou que o marido a agrediu com socos e forçou o sexo. Na delegacia, fez um extenso relato sobre o histórico agressivo do homem. Disse que ele era tomado por ciúme e fantasiava que ela se relacionava com outros. Após ouvi-la, o agente que tomara nota perguntou se ela gostaria de denunciar o parceiro criminalmente. Ela recusou. Nove dias depois, a mulher reiterou pelo telefone que não queria levar o caso adiante.
Diferentemente de grande parte dos crimes previstos no Código Penal, o estupro de mulheres adultas se configura como uma ação pública condicionada. Ou seja: um delito diante do qual o Estado não pode atuar se não há o desejo da vítima de representar criminalmente contra o agressor – realidade que deixa autoridades de mãos atadas mesmo que tenham ciência de um estupro.
– Há um alto índice de retratação, principalmente no âmbito da violência doméstica, o que desencadeia o arquivamento da denúncia e a extinção de uma punição do autor. Talvez o que essas mulheres busquem não seja a responsabilização criminal do agressor, mas que a violência cesse de alguma maneira. Quando veem essas demandas preliminares mais urgentes atendidas, decidem abandonar a denúncia em função do desgaste que representa um processo judicial – constata Tatiana Bastos, delegada adjunta da Delegacia da Mulher de Porto Alegre.
Para a socióloga Wânia Pasinato, especialista em políticas de enfrentamento à violência de gênero, o abandono da denúncia está relacionado aos mesmos motivos que desestimulam vítimas a denunciarem o crime:
– Existe uma vergonha pela violência sofrida, porque ainda há uma rejeição da sociedade em admitir que somos uma sociedade violenta e machista que pratica e tolera a violência contra as mulheres, o que faz com que alguns desses atos ainda passem de uma maneira muito naturalizada. Há também o temor do mau atendimento, o medo da exposição e uma descrença de que a polícia e a Justiça darão uma resposta efetiva de punição para a pessoa que cometeu a violência.
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